Por Janio de
Freitas, da Folha
O ministro do STF e Sergio Bermudes têm participação na
mesma causa há pelo menos duas décadas e meia
Graças ao pudor tardio de Xuxa, comprovam-se em
definitivo, e de uma só vez, duas esclarecedoras faltas de fundamento. Uma, a
do advogado Sergio Bermudes, ao asseverar que seu "amigo de 40 anos"
Luiz Fux "sempre se julga impedido" de atuar em causas suas. Outra, a
do hoje ministro, ao alegar que só por erro burocrático no Supremo Tribunal
Federal deu voto em causa do amigo.
Há pelo menos 26 anos, no entanto, quando Luiz Fux era
um jovem juiz de primeira instância e Sergio Bermudes arremetia na sua ascensão
como advogado, os dois têm participação na mesma causa. Documentada. Tinham,
conforme a contagem referida por Bermudes, 14 anos de amizade, iniciada
"quando foi orientador" [de trabalho acadêmico] de Fux.
O caso em questão deu entrada na 9ª Vara Cível do Rio
em 24 de fevereiro de 1987. Levava as assinaturas de Sergio Bermudes e Ivan
Ferreira, como advogados de uma certa Maria da Graça Meneghel, de profissão
"atriz-manequim". Já era a Xuxa "rainha dos baixinhos". E
por isso mesmo é que queria impedir judicialmente a comercialização, pela
empresa CIC Vídeo Ltda., do videocassete de "Amor, Estranho Amor",
filme de 1983 dirigido por Walter Hugo Khoury.
A justificativa para o pedido de apreensão era que o
vídeo"abala a imagem da atriz [imagem "de meiguice e
graciosidade"] perante as crianças", o público infantil do Xou da
Xuxa, "recordista de audiência em todo o Brasil". Não seria para
menos. No filme, Xuxa não apenas aparecia nua, personagem de transações de prostituição
e de cenas adequadas a tal papel. Mas a
"rainha dos baixinhos" partia até para a sedução sexual de um menino.
Em 24 horas, ou menos, ou seja, em 25 de fevereiro, o
juiz da 9ª Vara Cível, Luiz Fux, deferia a liminar de busca e apreensão. Com o
duvidoso verniz de 11 palavras do latim e dispensa de perícia, para cumprimento
imediato da decisão.
Ninguém imaginaria os pais comprando o vídeo de
"Amor, Estranho Amor" para mostrar aos filhos o que eles não
conheciam da Xuxa. E nem risco de engano, na compra ou no aluguel, poderia
haver. Xuxa estava já na caixa do vídeo, à mostra com os seus verdadeiros
atributos.
A vitória fácil na primeira iniciativa judicial levou à
segunda: indenização por danos. Outra vez o advogado Sergio Bermudes assina
vários atos. E Luiz Fux faz o mesmo, ainda como juiz da 9ª Vara Cível. No dia
18 de maio de 1991, os jornais noticiam: "O juiz Luiz Fux, 38, condenou as
empresas Cinearte e CIC Vídeos a indenizar a apresentadora Xuxa por danos
consistentes a que faria jus se tivesse consentido na reprodução de sua imagem
em vídeo'". Mas o que aumentou o destaque da notícia foi a consequência
daquele "se" do juiz, assim exposta nos títulos idênticos da Folha e
do "Jornal do Brasil": "Xuxa vence na Justiça e poderá receber
U$ 2 mi de indenização". Mi de milhões.
Ao que "O Globo" fez este acréscimo:
"Durante as duas horas em que permaneceu na sala do juiz, Xuxa prestou um
longo depoimento e deu detalhes de sua vida íntima [por certo, os menos
íntimos], na presença da imprensa [e de sua parceira à época, e por longo
tempo, Marlene Matos]. Sua declaração admitindo que até hoje pratica topless
quando vai à praia, por exemplo, foi uma das considerações que o juiz Luiz Fux
levou em conta para julgar improcedente o seu requerimento de perdas morais.
Todas as penas aplicadas se referem a danos materiais".
Na última quarta-feira, "O Estado de S.
Paulo", com o repórter Eduardo Bresciani, publicou que Luiz Fux,
"ignorando documento de sua própria autoria em que afirma estar impedido
de julgar processos do escritório do advogado Sergio Bermudes", relatou no
STF "três casos" e participou de outros "três de interesse do
grupo" [escritório Sergio Bermudes] em 2011. Luiz Fux disse, a respeito,
que caberia à Secretaria Judiciária alertá-lo sobre o impedimento e que a
relação dos processos com o escritório de Bermudes lhe passara
"despercebida". Depois foi mencionada falha de informática.
Sergio Bermudes argumenta que a legislação, exceto se
envolvida a filha Marianna Fux, não obrigava o ministro a se afastar dos
processos de seu escritório. E a ética, e a moralidade judiciária?
Comentários
Postar um comentário