Voz solitária na ditadura: Filho se emociona ao falar do trabalho de investigação feito pelo procurador sobre massacre indígena
Por Felipe
Canêdo
Ele relembra a perseguição imposta à família quando o
texto foi tornado público, em pleno regime militar
“O relatório é uma bomba atômica na história recente do
país. Tinha muita gente importante envolvida. Essa é uma das melhores notícias
que já recebi nos últimos 40 anos”, se emociona o advogado Jader de Figueiredo
Correia Júnior, ao saber que o relatório produzido por seu pai em 1968, sobre
violação de direitos humanos de indígenas, foi encontrado quase intacto, depois
de mais de 40 anos desaparecido. “Eu tinha certeza de que ele tinha sido
queimado. Diziam na época que tinha sido proposital”, lembra o advogado, que
reclama de o trabalho do pai ter sido escondido e ignorado na história do país,
perpetrando as injustiças constatadas. “Era uma voz solitária na ditadura,
contra o AI-5 e contra um regime que censurava a imprensa”, diz. O
vice-presidente do Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador do projeto
Armazém Memória, Marcelo Zelic, um dos principais atores na recuperação do
material, concorda: “Jader de Figueiredo foi uma figura republicana
superinteressante, apagada injustamente da história”.
Em 1977, uma comissão parlamentar de inquérito foi
aberta na Câmara para investigar violações de direitos humanos dos índios. No
ano anterior, o procurador que produziu o relatório morreu em acidente de
ônibus, aos 53 anos. Perguntado se a morte do pai pode ter sido provocada por
opositores, o filho considera: “Eu nunca tinha pensado nisso, eu tinha 14 anos
incompletos na época. Pode ser. Meu pai morreu em um acidente que nunca foi
esclarecido”.
Jader Figueiredo Júnior relembra o transtorno que a
divulgação do relatório trouxe à família e diz que seu pai chegou a ser
ameaçado de morte. “Ele sofreu atentados, foi perseguido por pistoleiros
durante a investigação. Nossa família vivia sob segurança da Polícia Federal”,
relembra. Ele destaca que o pai não era uma pessoa vaidosa e não gostava de
aparecer. “Ele se indignava de pensar que seu trabalho podia ficar no ‘dito
pelo não dito’. Viu muita injustiça, muita crueldade. E morreu na esperança de
seu trabalho aparecer de novo, de algum jeito. Onde ele estiver agora, estará
feliz”, acredita o filho.
Jader Júnior relata uma passagem que o pai costumava
contar em casa, sobre uma índia que foi morta e cortada ao meio em público. Segundo
ele, quando o procurador chegou à aldeia, encontrou a mulher amarrada entre
duas estacas pelos pés, de cabeça para baixo, partida longitudinalmente ao meio
por piques de facão. “O brasileiro costuma assistir a filmes de Hollywood onde
cauboís matam índios e acha bonito. O que o americano fez com os índios foi
brincadeira em relação ao que foi feito aqui. Lá foi uma matança, aqui foi
genocídio. Uma coisa nazista, hitlerista. E o brasileiro não tem consciência
disso. Isso é uma coisa que o mundo precisa saber”, revolta-se o filho. A
perplexidade do pai está indelével no relatório recuperado: “Os criminosos
continuam impunes, tanto que o presidente dessa comissão viu um dos asseclas
desse hediondo crime (assassínio de Cintas Largas, no Mato Grosso) sossegadamente
vendendo picolé a crianças em uma esquina de Cuiabá (MT)”.
Catalogação
Marcelo Zelic também expressa grande alegria pela
descoberta do documento. “Eu o achei inteirinho”, exclama o pesquisador, que
percebeu que os papeis ilegíveis eram o famoso Relatório Figueiredo, que ficou
batizado com o nome do procurador. Ele descreve que foi chamado ao Museu do
Índio em agosto do ano passado para analisar documentação que estava em posse
da entidade desde 2008 e havia sido catalogada em 2010. Das 62 páginas finais
entregues ao ministro Albuquerque Lima pelo procurador Jader de Fiqueiredo, 15
estavam em estado precário de preservação. O ativista garante, porém, que os
trabalhos desenvolvidos pelo Museu do Índio, Tortura Nunca Mais de São Paulo,
Comissão Justiça e Paz de São Paulo, Konoinia Presença e Serviço, Associação
Juízes para a Democracia e Armazém Memória, com apoio da deputada Luíza
Erundina (PSB-SP), conseguiu recuperar todas elas, que estão sendo catalogadas.
Dois dos questionamentos que o relatório pode suscitar
são em relação a posse de terras – como a dos índios kadieus, em Mato Grosso –
e a acusados de crimes não apurados. Em uma das páginas entregues a Albuquerque
Lima, por exemplo, quatro nomes são citados como responsáveis por diversos crimes.
São eles: Abílio Aristimunho, Acir Barros, Airton de França e Alan Kardec
Martins Pedrosa.
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