Pular para o conteúdo principal

Venezuela: a vitória apertada e o trunfo de Maduro

Por Rodrigo Vianna
A vitória do chavismo foi apertada. Mas incontestável: Nicolás Maduro teve 50,66%, contra 49,07% de Capriles (isso faltando menos de 1% para totalizar). Diferença de mais de 200 mil votos.  A Venezuela votou no candidato de Chavez. Na Democracia é assim: 50% mais um significam vitória. E ponto.
Ano passado, nos EUA, Barack Obama ganhou a reeleição por dois pontos percentuais no voto popular. Foi uma eleição radicalizada. Do outro lado, havia eleitores republicanos que consideravam Obama uma espécie de “demônio socialista”, por conta do projeto de assistência pública de saúde. Os EUA viraram um país “dividido” e “ingovernável”? Não. Obama governa. E Mitt Romney sumiu, no fundo das xícaras do Tea Party.
A diferença é que nos EUA não há embaixada americana para fomentar golpe e instabilidade…
Isso quer dizer que a vida de Maduro será fácil? Não. A direita venezuelana mostrou força. A tendência dos chavistas, de tratar todo adversário como “fascista” e “oligarca”, não cola. Metade do país é fascista? Maduro terá que moderar o discurso…
Chavez tirou o Estado (e o petróleo) das mãos da oligarquia, criou programas sociais, deu dignidade para os pobres. Isso tudo é fato. Vi de perto, em quatro viagens à Venezuela nos últimos cinco anos. Mas há problemas sérios de gestão. E isso ficou claro desde a primeira vez que visitei Caracas, em 2007.
Desde aquela época, escrevi: a oposição, com 45% dos votos (era o que conseguia, na época), tem força para fazer a disputa democrática, em vez de apelar para o golpismo.
E aí vamos ao segundo ponto. A derrota por margem estreita tira o argumento daqueles que – em Caracas, em Washington ou no Jardim Botânico carioca – afirmam: a Venezuela chavista é uma ditadura. Bobagem. A oposição tem força midiática, presença nas TVs e jornais, liberdade de organização. E há um esquema limpo para contagem de votos.
O resultado, por margem estreita, é um chamado para a moderação. De lado a lado. A vitória apertada porde ser um trunfo de Maduro, na legitimação de seu governo. Só que os chavistas precisam agora dialogar com o centro, com aqueles que até apóiam as políticas sociais do governo – mas estão insatisfeitos com a gestão do dia-a-dia. Em Caracas, por exemplo, há problemas sérios nas áreas de segurança, coleta de lixo, transporte…
Capriles deveria apostar no institucional, cobrando que o governo resolva os problemas concretos da população. Os tempos de subir no muro da Embaixada cubana e de fomentar golpes acabaram. Será que Capriles terá grandeza para assumir o novo papel? O problema é que parte da oposição quer golpe e confronto. E o outro problema são os gringos, acostumados com o jogo sujo. Nos últimos dias, surgiram indícios de que a CIA pode ter infiltrado mercenários armados na Venezuela.
Maduro, por seu lado, terá que enfrentar uma burguesia e uma classe média furibundas (é esse o núcleo duro da oposição, com 30% a 40% dos votos) e, ao mesmo tempo, dialogar com aqueles 10% a 15% que votaram em Capriles mas não são “oligarcas” antipovo.
Não basta mais invocar a figura de Chavez apenas. O presidente morto levou Maduro até o Palácio. Agora Maduro é quem precisa escrever sua história.
Não podemos descartar que setores da oposição partam para campanhas abertas de desestabilização nos próximos dias. Mas será difícil justificar atos de violência quando – pelo voto – a oposição foi capaz de “quase” ganhar.
Contraditoriamente, portanto, a aparente fragilidade de Maduro (“ganhou por apenas 2 pontos”) é também sua força estabilizadora. A Venezuela é uma democracia. E deve ser respeitada como tal.
O Brasil terá um papel importante, rechaçando qualquer tentativa de ataque “por fora” da Democracia.
Fiquemos atentos. E não esqueçamos: em Caracas, há embaixada dos Estados Unidos. Fonte de golpes e instabilidade na história da América Latina.
Nos próximos meses também podem aparecer mais detalhes sobre o câncer que matou Chavez. A Venezuela segue a ser o centro de uma batalha continental. Os Estados Unidos querem retomar o velho quintal…
PS: assim que acabei de escrever esse texto, já na madrugada de segunda-feira, Henrique Capriles anunciou que não reconhecia os resultados eleitorais; vai pedir recontagem total de votos. Joga na instabilidade, o que na verdade pode tirar dele parte do eleitorado (não chavista, mas tampouco antichavista). É uma jogada arriscada. E que pode incendiar a Venezuela. Difícil acreditar que Capriles tome essa direção sem apoio externo daqueles que já fizeram tombar governos legítimos em Honduras e no Paraguai. Espero estar errado, mas acho que tempos difíceis nos aguardam na América do Sul. E esse clima pode “contaminar” o Brasil.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Por que a luta por liberdade acadêmica é a luta pela democracia

Por Judith Butler Muitos acadêmicos se encontram sujeitos à censura, à prisão e ao exílio. Perderam seus cargos e se preocupam se algum dia poderão dar continuidade às suas pesquisas e aulas. Foram privados de seus cargos por causa de suas posições políticas, ou às vezes, por pontos de vista que supõem que tenham ou que lhes é atribuído, mas que não eles não têm. Perderam também a carreira. Pode-se perder um cargo acadêmico por várias razões, mas aqueles que são forçados a deixar seu país e seu cargo de trabalho perdem também sua comunidade de pertencimento. Uma carreira profissional representa um histórico acumulado de uma vida de pesquisa, com um propósito e um compromisso. Uma pessoa pensa e estuda de determinada maneira, se dedica a uma linha de pesquisa e a uma comunidade de interlocutores e colaboradores. Um cargo em um departamento de uma universidade possibilita a busca por uma vocação; oferece o suporte essencial para escrever, ensinar e pesquisar; paga o salário que lib

54 museus virtuais para você visitar

American Museum of Natural History ; My studios ; Museu Virtual Gentileza ;

O mundo como fábula, como perversidade e como possibilidade: Introdução geral do livro "Por uma outra globalização" de Milton Santos

Por Milton Santos Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido. Haveria nisto um paradoxo pedindo uma explicação? De um lado, é abusivamente mencionado o extraordinário progresso das ciências e das técnicas, das quais um dos frutos são os novos materiais artificiais que autorizam a precisão e a intencionalidade. De outro lado, há, também, referência obrigatória à aceleração contemporânea e todas as vertigens que cria, a começar pela própria velocidade. Todos esses, porém, são dados de um mun­do físico fabricado pelo homem, cuja utilização, aliás, permite que o mundo se torne esse mundo confuso e confusamente percebido. Explicações mecanicistas são, todavia, insuficientes. É a maneira como, sobre essa base material, se produz a história humana que é a verdadeira responsável pela criação da torre de babel em que vive a nossa era globalizada. Quando tudo permite imaginar que se tornou possível a criação de um mundo veraz, o que é imposto aos espíritos é um mundo de fabulações, q