Por Ion de
Andrade
O livro, "A hipótese da Revolução
Progressiva", disponível na Livraria Cultura propõe um modelo original de
transição ao socialismo.
O modelo atribui uma cronologia entre o Estado restrito
e o Estado ampliado, o primeiro precedendo o segundo, superando a posição
gramsciana, de natureza mais tipológica, onde convive um Estado oriental
restrito e um Estado ocidental ampliado sem uma alusão explícita à
"cronologia".
A ampliação do Estado, que se confunde com o próprio
processo revolucionário, está centrada na emancipação do proletariado: Quanto
mais emancipação mais democracia e menos Estado, o que devolve a autoria do
processo ao próprio proletariado, "retirando-o" das mãos das
vanguardas políticas. O modelo percebe que o proletariado emancipado é o
cidadão, entendido como a expressão superestrutural do próprio proletariado
estrutural que a precede historicamente, só há cidadania em sociedades onde a
visão de mundo do proletariado está consolidada. Tal cidadania é gerada tanto
pela emancipação do proletariado quanto pela desagregação ideológica da
burguesia.
A via proposta se encontra com a prática das teologias
e pedagogias emancipatórias que enxergam também no processo de libertação do
homem a centralidade de uma história na qual devem ser autores e se inspira de
transição oposta, a que marcou a entrada da humanidade na sociedade de classes
através do modo de produção asiático, entendido como o modo de produção que
abrigou, numa cronologia explicitada por Engels no Anti-Duhring, a última
sociedade sem classes, ainda influenciada pelo socialismo primitivo e a
primeira sociedade de classes. Idenifica assim uma simetria invertida entre o
modo de produção asiático e o capitalismo, percebendo que no primeiro a
democracia precedeu o despotismo, enquanto no segundo, movido pelas lutas
populares e pela ação da cidadania, o despotismo burguês precedeu a ampliação
do Estado e a adoção de uma democracia política, (limitada), como forma de
governo.
O Estado de direito é percebido como o Estado de
transição rumo a algo que é denominado Estado cidadão que nada mais é do que o
Estado de direito despojado dos limitantes burgueses, um ente público que se
desestatiza enquanto a democracia vai se realizando plenamente. Com isto a
figura da ditadura do proletariado se torna obsoleta e a proposta
revolucionária acede a uma ética mais inteira, pois já não há objetivos e
finalidades que se choquem com os meios empregados na política.
Emancipação e democracia formam um todo inseparável
onde um vai ampliando e viabilizando o outro, um processo em espiral que conduz
a mais cidadania e a mais democracia e que transborda também para uma
capacidade crescente da cidadania de interferir soberanamente nos meios de
produção, não obrigatoriamente para estatizá-lo, mas para curvá-lo às
necessidades e interesses das maiorias, fazendo chegar à economia a democracia
que vai fundando na política.
O modelo é original frente ao modelo social democrata
por força de colocar no centro do tabuleiro não o bem estar social, mas a
emancipação do proletariado, se diferencia também do modelo Gramsciano por
entender que as lutas de hegemonia na Sociedade Civil não "precedem"
a tomada da Sociedade Política, mas se confundem com a própria tomada capilar
do poder pelo proletariado, tornando a ditadura do proletariado ou o dito
"Estado gendarme guarda noturno" - a organização coercitiva que,
segundo Gramsci, (GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere: Maquiavel: notas sobre o
Estado e a Politica, Edição Carlos Nelson Coutinho com marco Aurélio Nogueira e
Luiz Sérgio Henriques, Editora Civilização Brasileira, 2011.p.245),
"protegerá os elementos de Sociedade Regulada em contínuo incremento"
- obsoleta. As crises de hegemonia e as rupturas sociais podem emergir, mas
encontrarão no proletariado e na cidadania a força política resoluta a defender
o Estado de direito frente a uma burguesia que tende a tentar fascistizar o
Estado à medida que vai perdendo influência e poder.
Finalmente por este enfoque a formulação permite
constatar que a classe vitoriosa nos enfrentamentos do século XX foi o
proletariado, pois o Estado de direito que criou ganhou o mundo, num processo
de ampliação de Estados restritos que provou ser de fato a tendência histórica
central a atravessar a contemporaneidade e cujo motor e o propósito devem ser
mais e mais democracia e mais e mais emancipação, processo que transborda para
a estrutura econômica construindo o socialismo em meio a uma democracia política
completa.
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