Por Mariana Melo
O sentido de felicidade é complexo e generalizações dificultam
sua aplicação
A tendência à simplificação do que é a felicidade e do
que pode tornar as pessoas felizes, própria da necessidade de criar demandas de
consumo da sociedade atual, pode produzir uma redução dos diferentes sentidos e
interpretações que a felicidade pode ter. “Tanto será menor a qualidade da
felicidade, quanto mais se fala dela, neste caso”, diz o psicólogo Luciano
Espósito Sewaybricker, autor da pesquisa realizada no Instituto de Psicologia
(IP) da USP.
A definição variada do que é felicidade e a tendência à
banalização que a sociedade impõe ao desejo de satisfação, ideia compartilhada
pelo conceito de Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman, permitiram à
Sewaybricker concluir que satisfação “em massa” e imediata não garantirá
felicidade. Para a pesquisa, o psicólogo buscou conceituações da felicidade
feita por alguns pensadores de variadas épocas para aproximar da Modernidade
Líquida. A pesquisa, que começou em 2010 e foi finalizada em 2012, teve a
orientação do professor Sigmar Malvezzi.
Pesquisa
Os pensadores do estudo foram: Platão, Aristóteles,
Zenão de Cítia, Epicuro, Santo Agostinho, Bentham, Kant e Freud. Inicialmente,
o psicólogo buscou nas obras destes homens respostas para quatro perguntas
relacionadas à felicidade. No entanto, percebeu que não seria possível extrair,
com as mesmas questões, os principais pontos relativos ao tema que pudessem
servir à conclusão do trabalho. Entre os nomes estudados, alguns procuravam
aproximar felicidade da virtude, do prazer ou do destino. O que foi possível,
de alguma forma, admitir como comum a todos foi a ideia de que a felicidade é
reconhecida como um ideal da existência.
Após análise de cada pensador, Sewaybricker conciliou
essas definições à Modernidade Líquida de Bauman, porque acredita que este conceito
faz um bom desenho teórico do que é a sociedade atual. Segundo Bauman, ao
perseguir a “solidez”, ou seja, a estabilidade proposta pela modernidade, a
sociedade percebeu que o “sólido” é inalcançável. Com isso, ocorreu uma
flexibilização das metas de vida, o que foi metaforizado como “líquido”. Essa
flexibilização leva a busca por laços transitórios, planejamentos a curto prazo
e gratificações imediatas. No seu trabalho, Sewaybricker escreve: “Em meio à
Modernidade Líquida, a humanidade encontra-se privada de uma destinação clara”.
Polissemia
Além disso, o levantamento dos conceitos dos pensadores
levaram Sewaybricker a comprender a felicidade como um tema extremamente
polissêmico. Seus múltiplos significados e interpretações impedem
generalizações. Neste caso, a polissemia do tema pode ser interessante, porque
leva a discussão à esfera individual, em detrimento à comunidade, ou
coletividade, ou seja, cada pessoa tem sua condição de felicidade mais
relacionada às suas concepções, realizações e desejos próprios, permitindo um
aprofundamento das reflexões relacionadas. Com esta complexidade, é impossível
definir uma fórmula da felicidade: cada um se considerará feliz da forma que
lhe aprouver.
Por isso, a pergunta feita inicialmente na dissertação
– “A atual organização social e do trabalho permite felicidade?”- perde o sentido, pois alguma felicidade
sempre será promovida, devido aos diversos níveis e formas de satisfação
possíveis. “Felicidade pode ser um meio termo ou um extremo entre aspectos
individuais ou coletivos, entre ideais ascéticos e ontológicos, prazeres e
virtudes” diz Sewaybricker, e acrescenta, “suprir felicidades não significa que
você não volte a um estado de insatisfação”.
Imposição
A abordagem do trabalho permite uma reflexão crítica
sobre a busca pela felicidade e os percalços e frustrações que idealizações
podem trazer. “Procurei trazer clareza para um tema constantemente em pauta”
diz Sewaybricker, que também aponta para a constante cobrança de que as pessoas
se afirmem como felizes. Segundo o filósofo André Comte-Sponville, autor também
estudado para o mestrado, a constante recorrência ao tema é um sintoma de que o
homem moderno não é feliz. “Tanto se fala quanto menos se tem” diz o psicólogo,
parafraseando o filósofo francês.
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