Por Paulo
Moreira Leite
Os crimes hediondos praticados por menores têm
inspirado um debate deslocado e oportunista.
Na falta de ideia melhor, o governador Geraldo Alckmin,
às voltas com índices vexatórios de criminalidade, resolveu iniciar um debate
sobre a redução da maioridade penal. Pela insistência com que a proposta vem
sendo repetida, é legítimo suspeitar que tivesse apoio em pesquisas junto a uma
parcela do eleitorado.
É um debate deslocado porque hoje os juízes já podem
sentenciar menores a 3 anos de reclusão. É oportunista porque dessa forma se
esconde o verdadeiro debate, necessário e urgente, sobre segurança pública em
São Paulo.
Compreendo a indignação das famílias e parentes das vítimas.
Mas a pergunta real é saber se alguém acredita que uma
simples medida desse tipo irá trazer qualquer mudança mais profunda.
Sou cético até por uma razão pratica. Todo criminoso,
menor de idade ou não, sabe que no Brasil corre o risco de ser morto em
tiroteio ou mesmo simplesmente executado pela polícia – e nem essa
possibilidade, bastante concreta, consegue dissuadir um ato violento. Será que
a chance de ser condenado irá mudar isso? Duvido.
Este cálculo pode ser feito por um cidadão que tem um horizonte
de opções e escolhas para tocar sua vida.
Não é disso que estamos falando nesta discussão.
Nem todos os brasileiros vivem num país de
oportunidades sociais relativamente igualitárias e abundantes, no qual o crime
pode ser visto como um ato de escolha.
Como sabe qualquer pessoa que caminha pelo país real e
tem empatia para procurar entender um ponto de vista diferente do seu, o crime
muitas vezes é uma opção possível num quadro de abandono, violência e falta de
oportunidades.
Nada o justifica. De
forma alguma.
Mas não estamos falando optar entre a escola e a rua,
um trabalho razoável e um 38 de cano raspado, certo? Nem de um mundo onde a
polícia atua com eficiência e dispõe de recursos necessários para o serviço,
certo? Estamos num universo de carência geral.
A criminalidade, no Brasil, tem uma natureza social
óbvia. Por isso as prisões estão cada vez mais cheias e nem por isso a
segurança aumenta na mesma proporção. Está na cara que há algo maior do que a
luta de mocinho e bandido dos filmes americanos, certo?
O único lugar onde a criminalidade tem apresentado
quedas significativas tem sido o Rio de Janeiro. Os números das UPPs são
óbvios, grandiloquentes e incontestáveis.
Fez-se, no Rio, aquilo que sempre se soube que deveria
ser feito para combater o crime. O Estado foi deslocado para as regiões da
cidade onde a população era entregue à própria sorte. Em vez de se entregar a
população à própria sorte e de se tentar atemorizar criminosos com penas sempre
mais duras, cumpriu-se o óbvio. O Estado assumiu seu papel e garante, com
homens e armas, a segurança da população. O saldo é conhecido de todos.
Chegaram investimentos e empregos nas favelas. Até agências bancárias foram
abertas.
Eu acho tão obvio que o Rio de Janeiro tornou-se um
exemplo nesta matéria que me pergunto por que não se debate, em outros estados,
uma solução que leve essa lição em conta. Não se trata de copiar mecanicamente
uma solução. Mas de entender que ali se aplicou um princípio político
essencial, que é obrigar o Estado a cumprir sua obrigação com a defesa do
cidadão. Com adaptações, essa ideia deve ser aplicada em todo país.
É tão obvio que chego a me perguntar por que isso não é
feito. Essa é a pergunta real.
Não é difícil responder. Uma ideia que coloca a questão
no plano dos indivíduos criminosos ajuda a esconder a miséria social de São
Paulo, Estado mais rico do país, mas universo de imensas carências. Muitas
autoridades gostam de fingir que não existem favelas nem áreas controladas pelo
tráfico em São Paulo.
Um projeto com essa grandeza só é possível quando se
faz uma autocrítica do passado -- e não deve ser fácil para um partido que
administra São Paulo desde 1982 com poucos intervalos -- assumir que não soube
encarar com seriedade um problema tão serio.
Por isso é melhor fingir que a maioridade é um debate
relevante.
É cômodo.
Para ajudar o projeto a caminhar, não faltam nem
pensadores capazes de criar a teoria do mau selvagem -- em oposição ao bom
selvagem -- apenas para dar sustentação a uma ideia que pode dar um sentimento de
reparação às famílias de vítimas, mas não levará a lugar algum.
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