Por Paulo Kliass,
no sítio Carta Maior
A terceira reunião do Comitê de Política Monetária
(Copom) do Banco Central (BC) realizada esse ano acabou por cumprir o ritual
que dele esperavam os mais ativos representantes da banca privada. As semanas
que antecederam esse peculiar encontro dos integrantes da diretoria do BC foram
marcadas por uma sucessão de lances visando a quebrar a resistência do núcleo
central do governo. E, no final das contas, esses grupos formadores de opinião
do mercado financeiro acabaram sendo vitoriosos. Ao que tudo indica, o “lobby”
articulado - principalmente com o apoio dos grandes órgãos de comunicação -
conseguiu emplacar mais uma vez a tese do catastrofismo. “Ou o governo endurece
com firmeza a política monetária imediatamente, ou abre-se o caminho para o
retorno do fantasma incontrolável da inflação elevada”. Bingo! A taxa oficial
de juros, a Selic, acabou sendo aumentada em 0,25%, passando ao patamar de 7,5%
ao ano.
É impressionante como a agenda de debate sobre o
fenômeno inflacionário continua sendo sequestrada pelos divulgadores da
ortodoxia, sem que haja espaço para ideias e versões mais oxigenadas com ventos
portadores de informações mais completas acerca da realidade concreta. Toda e
qualquer tentativa de apresentar alternativas para acompanhamento e mesmo
atuação sobre preços é imediatamente taxada de populista, irresponsável e -
pasmem! - bolivariano-chavista. A pauta do clube da finança é composta de
apenas um item: elevação da taxa de juros. E ponto final! Dessa forma, os
resultados dos índices de preços coletados por instituições como o IBGE, a FGV,
a FIPE, o Dieese e outros são apresentados de acordo com o menu do dia. A idéia
é sempre passar o clima do desespero anunciado, o dragão que ameaça o retorno a
cada período que antecede a reunião do Copom e exige “rigor e firmeza por parte
dos responsáveis pela condução da política monetária”. Haja paciência!
Há outros caminhos
além de aumentar a Selic
O fenômeno inflacionário, no entanto, é muito mais
complexo do que uma simples elevação na Selic possa resolver. E ainda mais em
uma realidade como a brasileira, onde o histórico de taxas bastante elevadas de
inflação (anteriores ao Plano Real, de 1994) e os recordes catastróficos de
taxa real de juros (pós Plano Real) comprometem de forma substantiva aquilo que
o economês chama de “eficácia da política monetária no combate à inflação”. Se
por acaso o governo estiver mesmo convencido da tese (equivocada, diga-se de
passagem) de que o problema atual da subida dos preços está associado a um
excesso de demanda agregada no conjunto da sociedade, então que lance mão de
outros instrumentos para conter esse suposto sobre-consumo. Já escrevi a
respeito de alternativas como, por exemplo, o depósito compulsório, instrumento
presente em qualquer manual básico de macroeconomia. Mas o financismo morre de
medo dessa medida e, espertamente, esquece de mencioná-la como alternativa à
elevação da taxa de juros. Afinal, deixaria de ser aquinhoado com a
transferência graciosa de recursos bilionários do orçamento federal
Mas no momento atual, é totalmente descabida essa
interpretação do crescimento dos preços, bem como a utilização da elevação da
Selic para evitar que o processo se mantenha. Peço desculpas antecipadas aos
leitores, mas o assunto exige um detalhamento particular dos dados, para que
possamos compreender e debater com a versão conservadora. O regime de metas de
inflação trabalha, para o período atual, com um intervalo entre 2,5% e 6,5%
(centro da meta em 4,5%) para que se mantenha um consenso de que o crescimento
de preços anual da economia esteja dentro de uma faixa considerada - digamos
assim - razoável.
A decomposição do
índice de inflação
O índice oficial usado para tanto é o Índice Nacional
de Preços de Consumidor Amplo (IPCA), coletado periodicamente pelo IBGE em 11
capitais e regiões metropolitanas, considerando uma cesta idealizada de consumo
de um universo de famílias com renda variando entre 1 e 40 salários mínimos. Os
preços são anotados pelos pesquisadores por subitens da estrutura de despesas.
E assim consolida-se o crescimento médio e ponderado, chegando-se ao tão famoso
índice de inflação, tanto para o mês como para o acumulado para o ano. Então,
vamos lá.
Por que a inflação voltou com força ao debate? Em
primeiro lugar, é claro, pelo fato dos indivíduos estarem sentindo, em seu
cotidiano, que alguns itens têm ficado mais caros. Ou seja, percebem que o
poder de compra de sua renda diminui. E as manchetes escancaram: inflação
supera meta e atinge 6,59%! Ocorre que a análise mais detalhada de tais
informações nos demonstra que os itens que mais contribuíram foram os do
subgrupo “alimentação e bebidas” – cujos preços subiram em média 13,5%. Vejamos
os demais subgrupos como se comportaram:
Inflação geral: 6,6%
- Alimentação e Bebidas: 13,5%
- Habitação: 2,9%
- Artigos para residência: 2,8%
- Vestuário: 6,8%
- Transportes: 1,4%
- Saúde: 6,3%
- Despesas pessoais: 10,7%
- Educação: 7,6%
- Comunicação: 1,2%
- Farinha de mandioca: 151%
- Tomate: 122%
- Batata inglesa: 97%
- Cebola: 76%
- Repolho: 71%
- Inhame: 61%
- Aipim: 53%
- Alho: 53%
- Cenoura: 51%
- Feijão mulatinho: 40%
Aumento dos juros:
medida ineficaz e cara
Ora, parece caro que não precisa ser formado em
economia para perceber que o aumento da Selic em 0,25% não terá efeito
absolutamente nenhum sobre esses preços, em especial o dos alimentos. Aliás,
estes já começaram a apresentar uma queda, exatamente por não serem submetidos
a regime de monopólio ou oligopólio. As famílias não vão deixar de consumir
para aumentar sua poupança, em função do aumento de juros tornar mais atrativas
as aplicações oferecidas pelos bancos..
O próprio Ministro Mantega reconheceu que a elevação
dos juros oficiais não terá efeito algum sobre o preço do tomate. Mas, segundo
ele, atuará sobre as expectativas de inflação. E aí começamos a entrar em um
terreno perigoso e pantanoso. Isso porque implica aceitação explícita de que o
governo está refém do mercado financeiro. Se o financismo exige alta da Selic
com o argumento de que não há outra alternativa para conter os preços, então o
governo cede para evitar expectativas de inflação futura. Não se pode aceitar a
chantagem e entrar no jogo da profecia auto-realizada dos formadores de opinião
em matéria de economia. Afinal, o universo de pessoas consultadas pela pesquisa
Sensus (que baliza as decisões do BC) é todo formado por profissionais do
mercado financeiro. Ou seja, são eles mesmos que criam as expectativas que
devem ser atendidas. Uma loucura! E esse equívoco estratégico pode custar muito
caro!
A Presidenta Dilma ofereceu uma grande contribuição à
sociedade brasileira, quando orientou ao Presidente do BC, Alexandre Tombini,
que iniciasse uma trajetória de queda da Selic. Em 31 de agosto de 2011, o
COPOM decidiu reduzir a taxa que estava em 12,5%, promovendo diminuições
sistemáticas por 9 reuniões consecutivas. Desde 10 de outubro de 2012 que a
taxa oficial se mantinha em 7,25%. Mais do que o percentual da elevação, o que
mais chama a atenção é essa rendição desnecessária às pressões do financismo. A
decisão vai custar aos cofres públicos a “bagatela” de R$ 5 bilhões anuais, o
equivalente ao custo adicional dos 0,25% de aumento da taxa de juros sobre um
estoque da dívida pública de R$ 2 trilhões.
O governo costuma apresentar o argumento da seriedade
no controle do gasto público quando vem a público justificar medidas de redução
de despesas em áreas socialmente sensíveis como previdência, saúde, educação e
outras. No entanto, não vacila um segundo quando se trata de destinar um volume
de recursos como esse para uma atividade completamente parasita como as
despesas financeiras de juros e serviços da dívida pública.
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