Por Marco Piva
Guardada a sete chaves como todo negócio que envolve
ações na Bolsa de Valores, a aquisição da Anhanguera pela Kroton foi tratada
pela grande imprensa como “fato relevante”, o que é, e como “fusão”, o que não
é. Numa só canetada, ditada pelo interesse econômico, a educação brasileira foi
elevada à mesma categoria de distribuidora de combustíveis e produtos
alimentícios. A Kroton é o braço educacional da Adviser, um dos maiores fundos
globais de investimento, especializado no ditado popular “quem pode, manda,
quem tem juízo, obedece”.
A operação está avaliada em R$ 5 bilhões, o que faz da
Kroton uma empresa de R$ 12 bilhões em ações na BM&FBovespa. Dinheiro em
espécie mesmo, nenhum. Para que? Somente o anúncio do fato relevante, que é,
elevou em 8% o valor das ações do grupo. Mas, para quanto será elevada a
qualidade do ensino proporcionado aos estudantes das classes C e D que
frequentam as faculdades da dupla Kroton/Anhanguera? Esse é um problema do MEC,
dizem os comentaristas econômicos da grande mídia. Cabe às autoridades da
educação fiscalizar e exigir seus critérios de qualidade. Simples assim. Os
alunos, por sua vez, poderão dizer se estão satisfeitos ou não com os seus
cursos mudando de faculdade, se for o caso. Mais simples ainda.
Entretanto, o que está por trás de um negócio dessa
dimensão ultrapassa as fronteiras da economia para alcançar o terreno da
soberania. Vejamos. O Brasil, ao contrário de vizinhos mais pobres da América
do Sul, possui proporcionalmente menos estudantes universitários. São 6,7
milhões de estudantes no ensino superior. Desse total, 4,9 milhões frequentam
instituições privadas e 1,8 milhão estão na rede pública nos três níveis:
federal, estadual e municipal. Somente a Kroton terá, de saída, 1,2 milhão de
alunos. Na escala decrescente dos maiores grupos educacionais privados estão
New Oriental, Estácio, DeVry, Apollo, Abril Educação, Apei, Strayer e
Megastudy. Um doce para quem adivinhar qual desses grupos tem capital
exclusivamente brasileiro.
Nos últimos dez anos, o governo federal tem
incrementado políticas públicas de estímulo ao ingresso no ensino superior. O
Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade Para Todos
(Prouni) são exemplos de políticas bem sucedidas, mas que por resistências
ideológicas de variados matizes, ainda não deslancharam como poderiam. A
distribuição da renda e a política de aumento real dos salários proporcionaram
a consolidação de uma nova classe média, disposta a comprar, num primeiro
momento, aqueles bens que a cultura do consumo torna necessários. No segundo
momento da onda de consumo, a juventude dessa nova classe média poderá comprar
bens de educação. Por isso, numa conta de chegada o Brasil pode colocar para
dentro da faculdade algo em torno de 10 milhões de jovens entre 18 e 24 anos no
próximo quinquênio . Nada mal para as estratégias empresariais de larga escala.
Mas, qual será a formação que esses jovens terão? Serão
treinados na doutrina do “pode quem manda, obedece quem tem juízo” ou poderemos
sonhar com um Brasil mais justo, soberano e solidário? O que acontecerá com os
últimos grupos educacionais 100% brasileiros? Brandirão uma resistência heroica
ao lado da sociedade em aliança com os movimentos sociais ou vão sucumbir aos
apelos sedutores de uma conta bancária gorda e individual?
Certos comentaristas da grande mídia insistem em dizer
que política não se mistura com economia, que é a pegadinha ideológica para
passar gato por lebre. No caso da educação, a concentração nas mãos de poucos
grupos privados sustentados por fundos globais de investimento coloca, no
mínimo, uma questão estratégica para o futuro: qual a educação que queremos
para o Brasil? O CADE e o MEC tem a palavra.
* Marco Piva é jornalista especializado em educação.
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