Por Luiz Flávio
Gomes
A mídia conservadora e a televisão, com amplo apoio
popular, transformaram Joaquim Barbosa no “herói nacional” que lavou a alma do
brasileiro condenando gente da Casa Grande. Mas ele, agora, está ficando cada
vez mais isolado, mais esquecido institucionalmente.
Do pó viemos e ao pó retornaremos. A finitude é da
essência humana. Não existe exceção. A mídia conservadora e a televisão, com
amplo apoio popular, transformaram Joaquim Barbosa no “herói nacional”, no
salvador da pátria, que lavou a alma do brasileiro condenando gente da Casa
Grande, gente que não tem nada a ver com a senzala. Ele mesmo, no entanto, diz
coisa bem diferente: considera-se um anti-herói (declarou isso para a Folha de
S. Paulo).
Herói ou anti-herói? A população está cada vez mais
dividida (sobretudo a que manifesta nas redes sociais). Para a presidência da
República Joaquim Barbosa tem 9% dos votos, diz o Datafolha. Unanimidade,
sobretudo nas personalidades públicas, nunca haverá! Por quê?
Porque “em todas as coisas existe um misto de atração-repulsa,
amor-ódio, generosidade e egoísmo. Basta olhar um pouco mais de perto para
constatar que os sentimentos mais elevados são permeados de seu contrário (...)
na origem do processo de hominização existe uma contradição fundamental entre o
comportamento do primata frugívoro, omnívoro, de um lado, e, do outro, o
carniceiro terrestre (...) o apolíneo é antagônico ao dionisíaco (...) em cada
coisa, em cada situação, existe seu contrário (...) até Deus, na tradição
ocidental, tem seu contrário: Satã (...) Eros é o arquétipo da imperfeição, do
equilíbrio conflituoso, de uma sede de alteridade que persegue tudo e todos”
(Mafessoli: 2004, p. 63).
Em grande parte somos os responsáveis pela construção
da nossa história de vida, que necessariamente tem que estar pautada pela ética
(entendida como a arte de viver bem humanamente, como diz Savater). Joaquim
Barbosa continua apoiado por muita gente, que anda irada (com razão) contra os
desmandos no nosso país, com as falcatruas, com as malandragens feitas com o dinheiro
ou os gastos públicos, com a discriminação dos pobres e miseráveis, com a
impunidade dos ricos (sic) (a impunidade, na verdade, é geral, porque é irmã
gêmea da seletividade).
De qualquer modo, dentro do Poder Judiciário brasileiro
talvez nunca tenha havido um juiz populista tão habilidoso em explorar a
comoção nacional contra as injustiças, o sentimento de impotência da população
diante da impunidade, sua ira, sua irresignação. Mas todo mundo tem seu lado
anti-herói: tratamento descortês com os próprios colegas do STF, ataques
pessoais graves contra eles, xingamentos gratuitos contra jornalistas,
acusações genéricas contra os juízes e advogados, ofensas depreciativas aos
juízes (que seriam tendenciosos em favor da impunidade) etc.
Seguindo o mesmo caminho conflitivo e populista do
ex-senador Demóstenes, Joaquim Barbosa está ficando cada vez mais isolado, mais
esquecido institucionalmente. Aprovaram uma Emenda Constitucional no Congresso,
criando mais Tribunais no país, sem que ele tivesse sido sequer comunicado do
dia da votação (tanto que ele reclamou que tudo foi feito na “surdina”, que
agiram “sorrateiramente”). Num estado institucional normal, jamais o Congresso
deixaria de avisar e protagonizar o presidente do Poder Judiciário.
Qual é o problema? Quem exerce o poder no isolamento
(sobretudo dentro do seu próprio Tribunal), tem sempre um final muito triste.
Joaquim Barbosa não está ouvindo os conselhos de Maquiavel. Adula o povo, com
seus sedativos populistas, mas ao mesmo tempo faz lambanças com seu
desequilíbrio emocional, denotando falta de sensatez, de prudência e de
razoabilidade. Joaquim Barbosa não está percebendo que na hora do ”impeachment”
(tal como o do Demóstenes) o povo (que o apoia incondicionalmente) não vota. E
mesmo que votasse, sua aprovação é minoritária (9%).
O brasileiro (diz Sérgio Buarque de Holanda) tem mesmo
disposição para cumprir ordens e adora alguns tiranos ou tiranetes, mas é
preciso saber mandar, com muita liderança e habilidade. Contra o autoritarismo
terceiro-mundista, herdeiro dos absolutismos do tipo Luís XIV, até mesmo o mais
humilde dos miseráveis da senzala sabe reagir. A cobrança virá, começando,
claro, por todos os que foram ofendidos grosseira e injustamente por ele, que
prontamente contarão com o apoio dos insatisfeitos da Casa Grande (banqueiros,
políticos, donos da mídia etc.). O processo de fritura da criatura já começou!
Isso é muito ruim para o já esgarçado funcionamento das instituições. Estamos
cada vez mais distantes de fazer do Brasil uma grande nação. Que pena!
Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do
Instituto Avante Brasil
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