Por Eduardo
Guimarães
Um “passarinho” muito bem informado me telefona para
contar que o PT está preocupadíssimo com o recente indiciamento de Lula pela
Procuradoria da República do Distrito Federal (PRDF) em inquérito aberto para
apurar denúncia que o ex-presidente sofreu de Marcos Valério Fernandes de
Souza, condenado pelo STF a 40 anos de prisão.
Lula foi acusado por Valério de ter negociado em 2005
com o então presidente da Portugal Telecom o repasse de recursos para o PT em
troca de benefícios à empresa, e a PRDF diz enxergar motivos para investigar
essa denúncia.
Sobre motivos, os de preocupação não faltam ao partido.
Esse é o primeiro inquérito aberto com o objetivo único de investigar se Lula
atuou no “mensalão”, apesar de a Ação Penal 470 (iniciada em 2007 pelo Supremo Tribunal
Federal) tê-lo investigado antes de aceitar a denúncia da Procuradoria Geral da
República.
Tanto o ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza –
autor da denúncia do escândalo – quanto o STF, porém, à época entenderam que
não havia elementos para indiciar Lula juntamente aos outros 38 acusados
naquela ação penal.
Lula, portanto, jamais foi indiciado como alvo
específico. Assim, o significado do que acaba de ocorrer é muito maior do que
se pensa, ainda que o alarde da mídia sobre o fato ainda esteja esperando a
hora certa para ter início.
A investigação que começa a tramitar na Procuradoria do
Distrito Federal, segundo petistas graúdos – que só agora começam a se
preocupar de verdade com a utilização do MPF e do Judiciário por seus
adversários políticos –, tem todas as características da AP 470 e já é dado por
aqueles “petistas graúdos” como certo que deverá ter o mesmo destino, se nada
for feito enquanto é tempo.
Em primeiro lugar, lembremo-nos de que o julgamento do
“mensalão” subverteu toda ordem jurídica e as jurisprudências conhecidas,
inovando em procedimentos e critérios, chegando ao ponto de dar tratamento
diferente àquele inquérito do que foi dado a outros absolutamente iguais, como
no caso do desmembramento do processo quanto aos réus que não tinham foro
“privilegiado”, o que não foi feito com o inquérito do “mensalão tucano”.
Dessa maneira, esqueçamo-nos de que Lula não tem mais
foro privilegiado e de que, assim, não pode ser julgado pelo STF, tendo direito
ao que aquela Corte negou a réus da AP 470 que tampouco deveriam ser julgados
por ela: o duplo grau de jurisdição.
Detenhamo-nos um pouco mais nesse princípio do Direito
Processual. Segundo a doutrina prevista na Constituição Federal do Brasil em
seu artigo 5º, inciso LV, o duplo grau de jurisdição é parte dos princípios do
contraditório e da ampla defesa.
O princípio em tela garante ao jurisdicionado sem “foro
privilegiado” a reanálise de seu processo por instância superior. Em casos em
que existe esse “privilégio”, a competência cabe à instância máxima do
Judiciário, o STF, de forma que o duplo grau fica impossibilitado.
Em contrapartida, o “foro privilegiado”, apesar de
negar a reanalise da primeira decisão judicial a que o jurisdicionado for
submetido, dá a ele o benefício de ser julgado por um órgão colegiado como o
Supremo Tribunal Federal em vez de ser julgado monocraticamente por um único
magistrado em cada uma das duas instâncias do duplo grau de jurisdição.
Além disso, o réu sem “foro privilegiado” tem
possibilidade de ser julgado três vezes e, na última, pelo mesmo colegiado que
julga uma única vez quem tem esse “privilégio”, ou seja, pelo mesmo STF.
A desvantagem do “foro privilegiado” para réus de ações
penais é a de que o STF pode, a seu bel prazer, antecipar prazos e criar
jurisprudências, como aconteceu no caso da AP 470, com sua teoria do “domínio
do fato”, ou negar um desmembramento da ação que fora concedido a outra
praticamente idêntica, só que envolvendo o PSDB e não o PT.
Para réus de ações penais, portanto, o “foro
privilegiado” não traz privilégios. Muito pelo contrário.
A má notícia para Lula, para o PT e até para a
presidente Dilma Rousseff – ainda que ela pareça não entender isso – é que o
STF pode, sim, arrogar para si o julgamento do ex-presidente, caso a
Procuradoria do Distrito Federal opte pela abertura de ação penal contra ele,
pois aquela Corte pode entender que a característica da denúncia a enquadra no
mesmo processo que condenou José Dirceu e companhia petista limitada.
O Supremo Tribunal Federal começou o julgamento dos 38
réus do escândalo do “mensalão” no dia 2 de agosto de 2012. Já nos primeiros
momentos de um processo visto por inúmeros e respeitados juristas como um
julgamento de exceção pelas inovações que perpetrou, já era possível prever no
que daria.
Naquele primeiro momento, movimentos sociais e sindicatos
ligados ao PT, tais como MST, CUT etc., prometeram mobilização, manifestações,
ações que visassem mostrar aos que pretendiam promover uma farsa jurídica que a
sociedade civil não a aceitaria. Porém, ficou só no gogó.
O PT, por sua vez, soltou uma ou duas notinhas tímidas
de protesto e nada mais. Lula se calou – e até hoje segue calado – e Dilma
manteve uma distância daquela vergonha que, anotem aí, irá lhe cobrar um preço
muito mais alto do que pode sequer imaginar. E que não se resumirá à muito maior
dificuldade que terá em se reeleger caso seu principal cabo eleitoral, ano que
vem, seja alvo de uma ação penal no Supremo.
Lula, hoje, é o alvo mais apetitoso não só da direita
midiática brasileira, mas da de toda a América Latina. Não é apenas o maior
eleitor do Brasil. Com a morte de Hugo Chávez, vai assumindo o posto de líder
máximo da esquerda na região. Levá-lo à desmoralização – e quem sabe até ao
cárcere – é um dos sonhos mais acalentados por essa direita.
Com a esquerda brasileira apeada do poder, um efeito
dominó será desencadeado pela América Latina. Com a direita governando a maior
potência regional haverá rompimento de acordos e até sufocamento de governos de
esquerda em países como Argentina, Bolívia, Equador, Peru, Venezuela e outros.
Para o Brasil, a volta da direita midiática ao poder
será a maior desgraça de sua história. Essa retomada do poder visa interromper
um processo que está eliminando a característica mais perversa deste país, a de
pátria da desigualdade.
Alguém acha que não gostam de Lula e do PT por serem
feios, sujos e malvados? A direita midiática não gosta deles porque é formada
por uma elite étnica e regional minúscula que durante o nosso meio milênio de
história concentrou uma parte indecente da renda nacional, colocando o Brasil
como o país virtualmente mais injusto do mundo até hoje.
Ora, a maior obra dos governos Lula e Dilma não vem
sendo a queda do desemprego ou o aumento da renda das famílias, ou tampouco a
melhora na infraestrutura ou a solidificação da economia, mas, justamente, o
exorcismo lento, gradual e contínuo do grande fantasma que assombra a América
Latina: a concentração de renda.
Será preciso explicar que, para redistribuir alguma
coisa, só tirando de um para dar a outro?
A elite minúscula que concentra uma parcela quase
inacreditável da renda nacional está perdendo com os governos petistas, ainda
que esteja enriquecendo junto com o país. Está perdendo percentualmente.
Negros pobres não frequentam apenas os mesmos
aeroportos e shoppings que a elite branca de ascendência europeia do Sul e do
Sudeste. Agora começam a frequentar as mesmas universidades. Em alguns anos,
por todo país surgirá uma geração de médicos negros – um fenômeno impensável
até aqui, mas que irá ocorrer em pouco tempo devido ao Prouni e às cotas para
negros nas universidades.
Empregadas domésticas com FGTS e horas extras? Redução
nos lucros da privataria elétrica e da banca vampira, com redução da conta de
luz e queda nas taxas de juro ao consumidor? “Vade retro, justiça social!” É o que
brada a vampiresca elite tupiniquim.
A governança petista, caro leitor, está aplicando
distribuição de renda na veia da nação.
A elite brasileira logo ficará morena e este não será
mais um país de poucos, como continua sendo até hoje meramente porque o
processo redistributivo em curso ainda tem muito a caminhar para se tornar
minimamente irreversível, se é que se pode usar esse termo.
Vou, então, contar mais um segredinho enorme que aquele
“passarinho” sabido me confidenciou: o PT e o próprio Lula já pensam em ele
buscar o julgamento das urnas para se contrapor ao julgamento de exceção que
preparam contra si.
Trocando em miúdos: Lula pode sair candidato a
governador ou a presidente, dependendo da gravidade e da velocidade do processo
ora desencadeado contra si.
Aliás, vale dizer que tal estratégia pretende ser,
também, um elemento de dissuasão dos que pretendem dar ao ex-presidente o mesmo
destino de José Dirceu.
Na visão deste que escreve, é pouco, muito pouco. Quase
nada.
Eis que se o PT, os movimentos sociais, os sindicatos,
o próprio Lula e a presidente Dilma continuarem achando que o processo de
destruição do PT vai parar no seu maior líder, estão loucos. A direita
judiciário-midiática não irá parar até que o último petista vire pó e os ideais
do partido sejam apagados da face da Terra.
O que fazer? A sugestão é, pura e simplesmente, a de
que os citados no parágrafo anterior radicalizem de verdade. Como? Com o
partido, os movimentos sociais e o próprio Lula indo às ruas. E com Dilma pondo
a boca no trombone, como é seu direito constitucional. E não são só às ruas do
Brasil, mas às do mundo.
Acontecerá? Duvido. Todos esses, infelizmente, parecem
possuídos por um dos piores demônios que assediam o homem: o medo.
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