Por Wálter
Fanganiello Maierovitch
Das promessas a José Dirceu ao assédio para emplacar a
filha no cargo de desembargadora, o Ministro do STF se complica
Têmis, a mitológica deusa da Justiça, não era dada a
bravatas, não lutava judô ou tocava guitarra. No canto XXXIII, Dante Alighieri
colocou-a no Purgatório pelas suas profecias. A venda nos olhos, como ensinou o
professor Damásio de Jesus, foi-lhe colocada na Idade Média por escultores
alemães convencidos da necessidade do véu nos olhos para se passar a imagem da
imparcialidade, um valor fundamental na distribuição da justiça.
Com ou sem véu, a imparcialidade da justiça de Têmis
sempre foi uma exigência da sociedade civil e decorre da garantia de todos
serem iguais perante a lei. Em nome de um julgamento justo, as leis processuais
criaram o instrumento da exceção para atacar a falta de imparcialidade e também
a suspeição do magistrado. Mais ainda: existe a possibilidade de o próprio juiz
do processo, com fundamento na garantia da imparcialidade, arguir o seu
impedimento ou a sua suspeição.
No Brasil, o impedimento do juiz é verificado, porém, à
luz das partes processuais (autor e réu). A lei nada estabelece a respeito do
advogado. As relações muito próximas entre magistrados e advogados de partes
indicam uma suspeita de quebra de imparcialidade. O ministro Gilmar Mendes, do
STF, como todos sabem, teve sua viagem de núpcias apoiada financeiramente por
Sérgio Bermudes, patrão da esposa do ministro e detentor de uma banca de
advocacia com inúmeras causas em tramitação no STF (o presenteado já foi
relator em várias delas). Como o impedimento é com a parte processual, certos
ministros – Mendes no caso acima e José Dias Toffoli na boca-livre na ilha
italiana de Capri, por ocasião das núpcias de outro causídico – não se sentem
inibidos de julgar.
No processo do chamado “mensalão”, impedimentos
flagrantes e relativos às partes processuais foram solenemente ignorados, quer
pela falta de apresentação de exceções, quer pelo silêncio de alguns juízes.
Três exemplos permitem uma reflexão. Os dois iniciais. Toffoli estava impedido
por suas notórias ligações com o então réu José Dirceu. O impedimento de Mendes
derivava do fato de haver antecipado, fora dos autos e depois de uma tumultuada
reunião com Lula e Nelson Jobim, um juízo negativo a respeito dos réus.
Quanto a Luiz Fux, o impedimento era de clareza solar
pela troca de favores quando Dirceu era influente ministro da Casa Civil. Fux
ingressou na carreira de magistrado estadual por concurso público e chegou ao
cargo máximo da carreira ao assumir uma cadeira de desembargador do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro. Por escolha e nomeação do então presidente Fernando
Henrique Cardoso, chegou ao STJ. Com disfarçada vocação ao carreirismo, Fux
resolveu movimentar o céu e a terra para chegar ao STF. Nos seis contatos com
Dirceu, pediu apoio para ocupar a vaga almejada. Teria chegado a Dirceu, suspeita-se,
por intermédio de um antigo patrocinador, o governador Sérgio Cabral, do Rio de
Janeiro. A respeito, Fux diz não ter se lembrado à época que Dirceu era réu no
“mensalão”, algo sabido e nunca esquecido pelos torcedores do Flamengo e do
Corinthians. Dirceu, há poucos dias, afirmou que o candidato ao STF prometeu
absolvê-lo.
A história era conhecida desde as sustentações orais
dos defensores dos réus. Pela rádio-corredor do STF, Fux soube de informes
levados à mídia sobre suas promessas a Dirceu. O ministro reclamou ao
ex-deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF). E soltou uma bravata: “O pau vai
cantar”. Sem se dar por impedido, e sem Dirceu arguir o impedimento de quem, a
exemplo de Mendes, antecipou decisão, participou do julgamento e proferiu voto
de condenação a Dirceu.
O escândalo agigantou-se quando atrelado a outros. No
TJ de São Paulo, comenta-se a pressão de Fux a favor de um assessor de gabinete
que prestou, sem sucesso, concurso público para ingressar na Magistratura. O
candidato não atendia a requisitos de ordem objetiva (tempo mínimo de
advocacia) e “bombou” na prova oral.
Em outra frente, e como noticiou o jornalista Maurício
Dias na coluna Rosa dos Ventos, Fux teria pressionado a OAB no Rio de Janeiro
para incluir o nome de sua filha na lista sêxtupla para o cargo de
desembargadora.
A pimpolha de Fux, com idade ideal para prestar
concurso público para o cargo de juíza substituta (posto inicial da carreira de
magistrado estadual), quer começar a carreira em tapete vermelho, ou melhor,
pelo topo. Aparentemente, Fux prefere a jovem filha em um palácio em vez de
vê-la enfrentar a dura labuta nos foros, como fazia a saudosa e assassinada
juíza Patrícia Accioli. Só para lembrar: a remuneração mensla de um
desembargador é apenas 5% menor do que aquela dos ministros do Supremo. As
mordomias equivalem-se. A lista da OAB é enviada ao tribunal e os
desembargadores doórgão especial, todos ex-colegas de Fux, a transformam em
tríplice. Por último, esta é enviada ao governador. No caso mencionado, a
Cabral, amigo do magistrado.
Não bastasse, a última do ministro foi aceitar o
patrocínio de um rega-bofe para comemorar seus 60 anos. A festa seria
patrocinada por Sérgio Bermudes, que, além da mulher de Mendes, emprega a filha
de Fux. A lista de convidados incluía 300 nomes, entre ministros, operadores do
Direito e desembargadores do Tribunal de Justiça. Bermudes declarou que o
dinheiro da festa não era público e, como o juiz do STF, não enxergou conflito
de interesse.
Entre os italianos, os filhos de mães superprotetoras
são chamados de mammoni. Igualmente protetoras são as antigas mães hebreias,
carinhosamente chamadas, numa alusão às italianas, de mamma iídiche. Pois bem,
coube à mamma iídiche de Fux salvá-lo. O magistrado voltou atrás e declinou da
homenagem oferecida por Bermudes. A mamma iídiche, claro, não conseguiu evitar
juízos, pelos comuns dos cortais, a respeito do rebento.
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