Por Carta Capital
Em 1913, entrava em vigor uma lei
paulista que impulsionaria a construção de rodovias em São Paulo com o
aproveitamento de presidiários nas obras. Por trás da ideia estava o então
deputado estadual Washington Luís, que com o lema “governar é abrir estradas”
seria governador e presidente da República na década de 20. Um século depois, o
governo da presidenta Dilma Rousseff, eleita em março a “ferroviária do ano”
por uma revista especializada, tenta tirar do papel este ano um programa que
ampliará o espaço do transporte sobre trilhos, reduzindo a participação do
asfalto.
O plano é entregar até o fim de
2013 várias estradas de ferro ao controle privado, sob o compromisso de que as
empresas modernizem as linhas e construam 10 mil km de trilhos novos.
Esperam-se investimentos de 91 bilhões de reais, dos quais 56 bilhões em cinco
anos. Os aportes da primeira etapa significam um ritmo anual cinco vezes
superior ao visto de 1997 a 2012, quando as ferrovias receberam 35 bilhões de
reais, segundo a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF).
A decisão federal de estimular as
ferrovias no País é aprovada pelos empresários que já estão no ramo, mas eles
são críticos do modelo de concessão desenhado em Brasília. Controladoras de 28
mil km de trilhos privatizados na década de 90, as empresas não aceitam que
seja o governo a negociar com os donos de carga quem usará os trilhos e por
qual preço. Querem o Estado fora do mercado e que elas mesmas continuem
conduzindo as transações. “Este modelo não tem referência no mundo, não há
estudos que garantam sua viabilidade. É uma jabuticaba brasileira, e pode ser
azeda”, diz Rodrigo Vilaça, presidente-executivo da ANTF, a associação dos
atuais concessionários.
O modelo atacado foi proposto
como um teste pelo governo para um trecho de 447 km a unir Açailândia, no
Maranhão, a um porto no Pará. O edital saiu em fevereiro, e a licitação estava
prevista para abril. No edital, o governo separava a gestão das linhas de ferro
enquanto infra-estrutura física da administração do fluxo de trens. A avaliação
é que a junção das duas atividades impediria a queda do preço do frete
ferroviário, pois os concessionários teriam poder para cobrar o que bem
entendem.
A avaliação federal é
compartilhada pela Associação Nacional dos Usuários de Cargas (ANUT), que reúne
grandes indústrias e agroindústrias. No geral, os atuais empresários do setor
ferroviário ofereceriam só 10% de desconto em relação ao frete dos caminhões.
Não importa que, desde as privatizações, eles tenham aumentado o volume
movimentado ou reduzido custos, ganhos que poderiam baixar as tarifas. Nem que
nos EUA e na Europa o frete sobre trilhos custe em média 30% menos que o sobre
o asfalto.
A forte reação do empresariado já
estabelecido no ramo ferroviário obrigou as autoridades federais a recuarem na
proposta inicial. Vilaça, da ANTF, dizia que se o governo não cedesse, o
projeto piloto do trecho entre o Maranhão e o Pará fracassaria por falta de
interessados. A ameaça surtiu efeito. Brasília aceitou segurar a licitação e
jogá-la só para o segundo semestre, para renegociar as condições propostas para
as concessões. O modelo que sair destas negociações com o empresariado será
adotado em todas as demais licitações ferroviárias.
A expansão do sistema arquitetada
pelo governo empurrará a malha nacional a 39 mil km de trilhos. Era o tamanho
dela em 1958, quando o Brasil tinha à frente Juscelino Kubitschek, que deu
forte apoio à indústria automobilística e, por tabela, às rodovias. Foi JK quem
inaugurou, em 1956, a primeira fábrica de caminhões a usar motores feitos no
País. O foco nacional nas quatro rodas ocasionaria o abandono das ferrovias,
que literalmente encolheram aos 29 mil km registrados desde os anos 90.
O projeto de estímulo às
ferrovias pode dobrar a fatia delas na movimentação de cargas, bastante
concentrada em caminhões. Hoje, os trens levam de 20% a 25% e podem carregar
até 40%, caso as concessões sejam exitosas. “Já faz alguns anos que temos uma
crise nas rodovias, uma crise logística. Precisamos ter mais malha
ferroviária”, diz Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Planejamento e
Logística (EPL), estatal criada por Dilma no ano passado.
Em um país de dimensão
continental, não faz sentido que caminhões atravessem o território por dias, a
maltratar as estradas, os motoristas e o ar, levando cargas a um mercado
consumidor ou um porto exportador. Mas, embora seja o quinto maior do mundo em
extensão, o Brasil tem só a 11ª rede ferroviária. Pelas rodovias, transitam 65%
das cargas nacionais. A concentração chega a 90%, quando se excluem da conta
ferro e petróleo, que não trafegam por caminhão – vão por trem e navio,
respectivamente.
Em 1975, a ditadura militar
ensaiou diversificar a matriz de transportes, já então sobrecarregada em
rodovias. A crise internacional do petróleo em 1973 elevara em 300% a cotação
do combustível e, no embalo, dispararam os gastos com diesel e fretes de
caminhão. Mas o País acabaria assimilando o choque de preços, e os estudos
foram engavetados.
O que o governo tenta agora é
resgatar o espírito daquele plano de quase 40 anos, diz Figueiredo. Com a
retomada do crescimento econômico nos últimos tempos, a atual frota de caminhões,
boa parte da década de 80, teria se tornado velha. Já a interiorização do
desenvolvimento teria alargado ainda mais os trajetos de alimentos e
manufaturas. A rodovia é considerada a melhor opção para percorrer até 500 km,
mas acima disso e até 1,5 mil km, são as ferrovias.
E não é só no transporte de
cargas que os trilhos terão incentivo estatal em 2013. Depois de anos de
debates e adiamentos, o governo fará em setembro uma licitação internacional
para contratar uma empresa especializada em operar trens de alta velocidade,
para administrar uma linha de passageiros ligando Rio a São Paulo. Escolhido o
operador, em junho de 2014 fará outra licitação, para achar a empreiteira que
cobrará menos para construir a obra, orçada em R$ 30 bilhões.
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