Por Rolf Dobelli
Tradução:
Jô Amado, edição de Leticia Nunes. Informações de Rolf Dobelli [“News is bad for you – and giving up
reading it will make you happier”, The Guardian, 12/4/13]
Nas últimas décadas, aqueles mais felizes dentre nós
reconheceram os perigos de uma vida com superabundância de comida (obesidade,
diabetes) e começaram a mudar as dietas. Mas a maioria, entre nós, não
compreende que a notícia é para a mente o que o açúcar é para o corpo. A
notícia é fácil de digerir. A mídia nos alimenta com pedacinhos de assuntos
triviais, guloseimas que não dizem respeito às nossas vidas e não exigem muito
raciocínio. É por isso que quase não sentimos uma saturação. Ao contrário de
ler livros e artigos extensos em revistas (o que exige raciocínio), engolimos
quantidades ilimitadas de flashes das notícias que são caramelos coloridos para
a mente. Hoje, chegamos ao mesmo ponto em relação à informação do que havíamos
chegado há 20 anos em relação à comida. Estamos começando a reconhecer como as
notícias podem ser tóxicas.
As notícias enganam – Vejam o seguinte exemplo (tomado
emprestado do ensaísta e professor libanês-americano Nassim Taleb): um carro
trafega sobre uma ponte e a ponte cai. Qual será o foco da mídia jornalística?
O carro. A pessoa no carro. De onde ela vinha. Onde pretendia ir. Como sentiu o
acidente (caso tenha sobrevivido). Mas tudo isso é irrelevante. E o que é
relevante? A estabilidade estrutural da
ponte. Esse é o risco subjacente que tem ficado escondido e pode estar
escondido em outras pontes. Mas o carro é chamativo, é dramático, é uma pessoa
(não-abstrata) e é uma notícia barata para produzir. As notícias nos levam a
andar às voltas com o mapa de riscos completamente errado em nossas cabeças.
Por isso, o terrorismo é supervalorizado. O estresse crônico é subvalorizado. O
colapso da [empresa de serviços financeiros] Lehman Brothers é supervalorizado.
A irresponsabilidade fiscal é subvalorizada. Os astronautas são
supervalorizados. As enfermeiras são subvalorizadas.
Não somos suficientemente racionais para sermos
expostos à imprensa. Ver um acidente com um avião na televisão irá mudar sua
atitude para com o risco, sem levar em conta sua probabilidade concreta. Se
você acha que pode compensar pela força de sua contemplação interior, você está
enganado. Banqueiros e economistas – que dispõem de poderosos incentivos para
compensar perigos originários da mídia – mostraram que não podem. A única
solução: isole-se por completo do consumo da mídia.
A notícia é irrelevante – Dentre as aproximadamente 10
mil matérias que você leu nos últimos 12 meses, cite uma – porque você a
consumiu – que lhe permitiu tomar uma decisão melhor sobre um assunto sério que
estava mexendo com sua vida, sua carreira ou seus negócios. O caso é o
seguinte: o consumo da informação é irrelevante para você. Mas as pessoas acham
muito difícil reconhecer o que é relevante. É muito mais fácil reconhecer o que
é novo. O relevante versus o novo é a batalha fundamental da era atual. As
organizações de mídia querem que você acredite que as notícias oferecem algo
como uma vantagem competitiva. Muita gente acredita nisso. Ficamos ansiosos
quando ficamos isolados do fluxo das notícias. Na realidade, o consumo de
notícias é uma desvantagem competitiva. Quanto menos notícias consumir, maior
será a sua vantagem.
A notícia não tem poder de explicação – Os assuntos das
notícias são bolhinhas que pipocam à superfície de um mundo mais profundo. Será
que acumular fatos o ajuda a compreender o mundo? Infelizmente, não. A relação
é invertida. As matérias importantes são as não-matérias: movimentos lentos e
poderosos que se desenvolvem abaixo do radar dos jornalistas, mas têm um efeito
transformador. Quanto mais você digerir “novos factoides”, menos você
compreenderá o quadro ampliado. Se mais informação conduz a maiores êxitos
econômicos, esperaríamos que os jornalistas estivessem no topo da pirâmide. Mas
não é esse o caso.
A notícia é tóxica para o seu corpo – Ela dispara
constantemente o sistema marginal. Histórias de pânico estimulam a liberação de
grandes porções de glucocorticoides (cortisol). Isso desregula seu sistema de
imunidade e inibe a liberação de hormônios de crescimento. Em outras palavras,
seu corpo fica num estado de estresse crônico. Altos níveis de glucocorticoides
afetam a digestão, o crescimento (células, cabelo, ossos) o sistema nervoso e a
suscetibilidade a infecções. Outros efeitos colaterais em potencial incluem
medo, agressividade, perda da visão periférica e insensibilidade.
A notícia aumenta os erros cognitivos – A notícia
alimenta a mãe de todos os erros cognitivos: a parcialidade da confirmação. Nas
palavras de Warren Buffett, “o que o ser humano faz melhor é interpretar
qualquer nova informação de forma a que conclusões anteriores continuem
intactas”. A notícia agrava esta falha. Tornamo-nos propensos à superconfiança,
corremos riscos idiotas e perdemos oportunidades. Também agrava outro erro
cognitivo: a parcialidade da matéria. Nossos cérebros pedem matérias que “façam
sentido” – mesmo que não correspondam à realidade. Qualquer jornalista que
escreva “o mercado foi afetado por causa de X” ou “a empresa faliu por causa de
Y” é um idiota. Estou farto desse jeito barato de “explicar” o mundo.
A notícia inibe o raciocínio – Raciocinar exige
concentração. Concentração exige tempo sem interrupções. Os textos noticiosos
são especificamente preparados para interromper. São como vírus que chamam a
atenção para seus próprios objetivos. A notícia transforma-nos em pensadores
superficiais. Mas é ainda pior. A notícia afeta gravemente a memória. Há dois
tipos de memória. A capacidade da memória de longo alcance é quase infinita,
mas a memória com que trabalhamos é limitada a um determinado número de
informações escorregadias. O caminho da memória de curto prazo para a de longo
prazo é um gargalo no cérebro e qualquer coisa que você queira compreender deve
passar por ele. Se essa passagem estiver interrompida, nada irá passar por ele.
Por interromper a concentração, a notícia enfraquece a compreensão. O impacto
da notícia online é ainda maior. Num estudo que fizeram no Canadá, em 2001,
dois professores mostraram que essa compreensão diminui à medida que aumenta o
número de hiperlinks num documento. Por quê? Porque sempre que um link aparece,
seu cérebro tem que fazer pelo menos a opção por não clicar, o que por si só já
distrai. A notícia é um sistema de interrupção intencional.
A notícia funciona como uma droga – À medida que as
matérias se desenvolvem, queremos saber como irão continuar. Com centenas de
roteiros arbitrários de matérias em nossas cabeças, essa ansiedade torna-se
cada vez mais irresistível e difícil de ignorar. Antigamente, os cientistas
pensavam que as densas conexões formadas entre os 100 bilhões de neurônios
dentro de nosso crânio já estavam, em grande parte, fixas quando chegávamos à
idade adulta. Hoje, sabemos que não é esse o caso. É comum que as células
nervosas rompam antigas conexões e formem outras, novas. Quanto mais notícias
consumimos, mais exercitamos os circuitos nervosos que se dedicam à remoção e
às multitarefas, ignorando aqueles usados para leituras profundas ou
raciocínios com focos profundos. A maioria dos consumidores de notícias – mesmo
se eles já foram ávidos leitores de livros – perdeu a capacidade de absorver
artigos extensos ou livros. Depois de quatro ou cinco páginas, cansam-se, a
concentração desaparece, tornam-se inquietos. Não é por se tornarem mais velhos
ou porque seus horários ficaram mais pesados. É porque a estrutura física de
seus cérebros mudou.
A notícia desperdiça tempo – Se você ler o jornal toda
manhã por 15 minutos, depois checar as notícias à hora do almoço por 15 minutos
e antes de se deitar, por mais 15 minutos, e acrescentar cinco minutos aqui e
ali, quando está no emprego, e depois descontar o tempo de distração e de
refocar no tema de seu interesse, você desperdiçará pelo menos meio dia toda a
semana. A informação já não é uma commodity escassa. Mas a atenção é. Você não
é assim tão irresponsável com seu dinheiro, com sua reputação ou com sua saúde.
Por que dar sua mente de graça?
A notícia nos torna passivos – Em sua grande maioria,
as histórias das matérias são sobre coisas que você não pode influenciar. A
repetição diária de notícias e coisas sobre as quais não podemos agir nos torna
passivos. É uma coisa que nos mói até adotarmos uma visão do mundo pessimista,
insensível, sarcástica e fatalista. O termo científico é “impotência
aprendida”. Pode ser chute, mas não me surpreenderia se o consumo de notícias,
pelo menos parcialmente, contribuísse para a amplamente disseminada doença da
depressão.
A notícia mata a criatividade – Finalmente, coisas que
já sabemos limitam nossa criatividade. Este é um dos motivos que levam
matemáticos, romancistas, compositores e empresários a produzir seus trabalhos
mais criativos quando ainda são jovens. Seus cérebros gozam de um espaço amplo,
desabitado, que os incentiva a propor novas ideias e ir atrás delas. Não
conheço uma única mente verdadeiramente criativa que seja viciada em notícias –
nenhum escritor, compositor, matemático, médico, cientista, músico, arquiteto
ou pintor. Por outro lado, conheço uma porção de mentes cruelmente não
criativas que consomem notícias como drogas. Se você está em busca de velhas
soluções, leia as notícias. Se você está em busca de novas soluções, não o
faça.
Os efeitos da
liberdade
A sociedade precisa do jornalismo – mas de uma maneira
diferente. O jornalismo investigativo sempre é relevante. Precisamos de
reportagens que fiscalizem nossas instituições e descubram a verdade. Extensos
artigos jornalísticos e livros também são bons.
Há quatro anos que não leio notícias e, portanto, posso
ver, sentir e relatar os efeitos desta liberdade em primeira mão: menos
transtornos, menos ansiedade, raciocínios mais profundos, mais tempo, mais
intuição. Não é fácil, mas vale a pena.
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