Pular para o conteúdo principal

A chance de desmascarar a mídia

Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:
Na noite de quarta-feira (17), o Jornal Nacional começou personalizando as três vítimas fatais do suposto ataque terrorista em Boston, nos Estados Unidos. Deu-lhes nome, história e rostos. A reportagem de cerca de seis minutos gastou mais tempo do que levaria para relatar apenas os fatos.
Lá pelo fim do telejornal, em trinta e sete segundos, o âncora Willian Bonner recitou a seguinte nota sobre quase o triplo de mortes que ocorreram no atentado em solo norte-americano:
*****
“O líder de um partido de oposição da Venezuela afirmou que o governo já tem mandados de prisão contra ele e o candidato derrotado à presidência, Henrique Capriles. Leopoldo López divulgou na internet a suposta ordem de prisão por incitar atos de violência.
O presidente eleito, Nicolás Maduro, não se manifestou. E responsabilizou Capriles pelas oito mortes nos protestos de segunda-feira, depois do resultado da votação.
O Supremo Tribunal de Justiça anunciou nesta quarta-feira (17) que a recontagem manual de votos pedida pela oposição é impossível por causa do sistema eleitoral automatizado”
*****
Nenhum professor de jornalismo, em nenhuma faculdade da face da Terra, diria que o Jornal Nacional apresentou uma reportagem. Tratou-se, mais do que tudo, de uma prova pronta e acabada de parcialidade e de verdadeira vigarice que tentou enganar o espectador e ocultar fatos.
Evidentemente que é mentira que o governo venezuelano tenha mandado de prisão contra Henrique Capriles, apesar de que já chegam a 161 os processos sendo abertos contra 90 pessoas que mataram, depredaram e incendiaram pelas ruas da Venezuela na última segunda-feira.
Mas o que chama mesmo atenção é que os oito mortos venezuelanos não mereceram o mesmo tratamento que os três norte-americanos.
O Jornal Nacional e o resto da “grande” imprensa televisiva, radiofônica e escrita não podem falar muito dos mortos por uma só razão: além de nomes, rostos e parentes chorosos, eles têm posição política – eram todos simpatizantes do governo Maduro e alguns deles tombaram por tentarem impedir o vandalismo dos seguidores ensandecidos de Capriles.
Eis a lista daqueles que as hordas caprilistas assassinaram:
  • José Luís Ponce Ordoñez – 45 anos, carpinteiro, militante do PSUV, morto com tiro na cabeça
  • Rosiris del Valle Reyes Rangel – 44 anos, militante do PSUV, morta com tiro nas costas
  • Ender José Bastardo – 21 anos, militante do PSUV, morto com quatro tiros.
  • Henry Rangel La Rosa – 32 anos, militante do PSUV, morto a tiros por encapuzados na porta de casa
  • Johan Antonio Hernández Acosta – Menor de idade, militante do PSUV, morto por caminhão que arremeteu contra multidão que comemorava a vitória de Maduro.
  • Luis Eduardo García Polanco – 25 anos, militante do PSUV, morto com um tiro no rosto enquanto comemorava a vitória de Maduro em frente à sede do Conselho Nacional Eleitoral no Estado Zulia.
  • Rey David Sánchez – Menor de idade, militante do PSUV, morto por caminhão que arremeteu contra multidão que comemorava a vitória de Maduro.
  • Cliver Enrique Guzmán – Ministério Público da Venezuela só divulgou que era militante do PSUV e que foi assassinado em uma manifestação.
A linha do Jornal Nacional de tratar como “prisões políticas” as prisões de 161 pessoas – entre as quais estão os assassinos das pessoas nomeadas acima e outras que depredaram sedes de programas sociais como postos de saúde e mercados populares, bem como tudo que levasse o logotipo do governo – foi seguida por todos os grandes jornais e telejornais.
Entretanto, essa linha é muito frágil. Depende, sobretudo, de despersonalizar as vítimas e de esconder as imagens da depredação. Enfim, de censurar tudo que está correndo o mundo.
Até nos Estados Unidos redes de televisão e jornais estão dando conta do que ocorreu na Venezuela na segunda-feira. Na Europa e por toda a América Latina, os fatos estão sendo expostos. A cobertura no Brasil é uma exceção mundial.
Todavia, as vítimas fatais, as centenas de feridos e os próprios públicos depredados ou incendiados não irão desaparecer. Pelo contrário, o caso só vai se tornar mais notório. Assim, a grande mídia brasileira está tentando preparar o terreno para qualificar o terror caprilista como invenção do governo venezuelano para esconder uma “fraude eleitoral”.
A tal “grande mídia”, porém, conta com a covardia da banda esquerda do espectro político brasileiro. Acredita que nenhuma figura pública de peso irá se indignar e denunciar a ocultação de fatos que o mundo inteiro conhece e que, no Brasil, estão sendo censurados.
A veiculação dos fatos pela internet pode atingir um contingente importante de formadores de opinião, mas, claro, ainda irá demorar meses para as ondas digitais chegarem a um contingente maior de pessoas, isso se a blogosfera não desistir de romper o cerco censor.
A “grande mídia” brasileira vem tratando assim a responsabilização dos assassinos e vândalos ligados a Capriles também porque este deverá ser processado como autor intelectual dos massacres. Apesar de ser governador do Estado de Miranda.
Como romper o muro de censura que foi levantado no Brasil como em nenhuma outra parte do mundo?
Quantos entendem que se os democratas deste país aceitarem que uma farsa dessa dimensão seja levada a cabo, a porta estará aberta, ano que vem, para fraudes midiáticas muito maiores no âmbito da eleição presidencial?
Alguma autoridade brasileira de peso ou alguma figura pública que não puder ser ignorada precisa denunciar essa farsa. A censura imposta pela Globo e seus tentáculos é uma das maiores ameaças à democracia que já se viu neste país.
Não é possível que não exista alguma autoridade ou figura pública de peso com coragem para desmascarar a “grande mídia”, ainda mais estando ela tão vulnerável a qualquer resquício de verdade que burlar a censura em curso.
Se ninguém criar coragem para denunciar essa vergonha, o Brasil irá se equiparar às ditaduras mais atrasadas e fechadas do planeta, em termos de censura. Que depois, então, ninguém reclame do resultado. A injustiça que se faz a uns é a ameaça que se faz a todos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O mundo como fábula, como perversidade e como possibilidade: Introdução geral do livro "Por uma outra globalização" de Milton Santos

Por Milton Santos Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido. Haveria nisto um paradoxo pedindo uma explicação? De um lado, é abusivamente mencionado o extraordinário progresso das ciências e das técnicas, das quais um dos frutos são os novos materiais artificiais que autorizam a precisão e a intencionalidade. De outro lado, há, também, referência obrigatória à aceleração contemporânea e todas as vertigens que cria, a começar pela própria velocidade. Todos esses, porém, são dados de um mun­do físico fabricado pelo homem, cuja utilização, aliás, permite que o mundo se torne esse mundo confuso e confusamente percebido. Explicações mecanicistas são, todavia, insuficientes. É a maneira como, sobre essa base material, se produz a história humana que é a verdadeira responsável pela criação da torre de babel em que vive a nossa era globalizada. Quando tudo permite imaginar que se tornou possível a criação de um mundo veraz, o que é imposto aos espíritos é um mundo de fabulações, q...

Preços de combustíveis: apenas uma pequena peça da destruição setorial

Por José Sérgio Gabrielli Será que o presidente Bolsonaro resolveu dar uma reviravolta na sua política privatista e voltada para o mercado, intervindo na direção da Petrobras, demitindo seu presidente, muito ligado ao Ministro Guedes e defensor de uma política de mercado para privatização acelerada e preços internacionais instantâneos na companhia? Ninguém sabe, mas que a demissão do Castello Branco não é uma coisa trivial, com certeza não é. A ação de Bolsonaro, na prática, questiona alguns princípios fundamentais da ideologia ultraneoliberal que vinha seguindo, como o respeito à governança das empresas com ações negociadas nas bolsas, a primazia do privado sobre o estatal e o abandono de intervenções governamentais em assuntos diretamente produtivos. Tirar o presidente da Petrobras, por discordar da política de preços, ameaça o programa de privatizações, pois afasta potenciais compradores de refinarias e tem um enorme efeito sobre o comportamento especulativo com as ações da Petrob...

Brasil perde um dos seus mais importantes cientistas sociais

Por Ricardo Cavalcanti-Schiel Faleceu por volta das 21:30 do dia 26 de março de 213, vítima de um acidente de trânsito no Km 92 da Rodovia Bandeirantes, o diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Prof. Dr. John Manuel Monteiro, quando regressava da universidade para sua residência em São Paulo. Historiador e antropólogo, John Monteiro foi um pioneiro na construção do campo temático da história indígena no Brasil, não apenas produzindo uma obra analítica densa e relevante, como também criando e estimulando a abertura de espaços institucionais e de interlocução acadêmica sobre o tema. Não seria exagerado dizer que foi em larga medida por conta do seu esforço dedicado que esse campo de estudos foi um dos que mais cresceu no âmbitos das ciências humanas no país desde a publicação do seu já clássico “Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas Origens de São Paulo” (1994) até o momento. Tendo tido toda sua formação acadêmica nos Estados Unidos (graduado pelo Col...