Por Carol Scorce
Deborah Delage diz que mulher não tem autonomia sobre
escolhas na gestação e no parto. Maioria das gestantes é levada a optar por
cesariana sem que o procedimento seja necessário.
Deborah Delage é militante dos direitos da mulher no
parto, causa muito atual no Brasil, País recordista mundial em cesarianas. De
acordo com o Ministério da Saúde, 43% dos partos são cesarianas. A recomendação
da Organização Mundial da Saúde é que essa porcentagem não ultrapasse os 15%.
Na rede médica privada, o percentual é maior ainda: cerca de 80% dos partos
feitos por convênios ou particulares são cesarianas. Deborah é cirurgiã
dentista por formação e se especializou em saúde pública. Quando engravidou da
primeira filha, descobriu que a mulher não tem autonomia sobre as escolhas na
gestação e no parto. Ela concedeu a seguinte entrevista ao ABCD MAIOR.
Quais direitos são
retirados da mulher na hora do parto?
DEBORAH DELAGE - São muitos. No setor público, não se
cumpre o direito ao acompanhante. Há exceções, mas na maior parte dos hospitais
essa lei não é cumprida. Mas os direitos que são retirados geralmente não são
sentidos pela mulher, porque já se formou uma cultura em que tudo é feito para
beneficiar os procedimentos médicos, facilitar o trabalho da equipe, e muitas
dessas intervenções agregam risco para a mãe e para o bebê. O remédio usado
para induzir o parto, por exemplo, faz com que a gestante tenha dores
fortíssimas, muito maiores dos que durante o trabalho de parto normal, e a
gestante não é questionada se quer ter o trabalho de parto naturalmente ou não.
Durante o trabalho de parto, a mulher é impedida de se movimentar, sendo que
estudos apontam que ela se movimentar melhora as dores e estimula naturalmente
o parto.
E por que é feito
dessa maneira?
Porque esses procedimentos são mais práticos para a
equipe envolvida no parto. No caso da cesária, por exemplo, são feitas em maior
número não porque são mais caras, porque o médico ganha mais com elas, porque o
parto natural é praticamente o mesmo valor, mas para o médico não é conveniente
desmarcar um dia inteiro de consultas para acompanhar uma mulher em trabalho de
parto um dia inteiro. Sem contar que o hospital lucra mais com a cesária:
envolve mais profissionais, a mulher fica internada mais dias, tem o soro, a
internação do bebê.
E na rede pública?
Na rede pública temos problemas como o quarto coletivo.
A mulher fica numa maca, sem nenhuma privacidade, tem de ficar deitada o tempo
todo, o que aumenta muito mais a dor. No caso dos hospitais-escola, muitas
vezes estudantes examinam a gestante sem nenhum aviso prévio, e na sequência.
Ou seja, vários alunos colocam o braço dentro da mulher sem o consentimento
dela. Outro procedimento muito comum é a episiotomia, que é o corte feito na
vagina. As gestantes acreditam que é feito para ajudar na retirada do bebê,
quando na verdade é feito somente para ajudar na visualização do médico. Não é
necessário e é contraindicado, porque rompe fibras na região da vagina e traz
consequência na vida sexual da mulher. Isso é uma lesão corporal grave, que é
feita também sem consentimento.
A senhora acredita que
a mulher acha comum esse tipo de agressão?
Não há informação. Esses procedimentos são introduzidos
de modo muito sutil. O médico não diz na primeira consulta que não vai
acompanhar a gestante em um parto natural. Ao longo do pré-natal a mulher é
induzida a acreditar que aquilo é o melhor para ela.
A Fundação Perseu Abramo
fez uma pesquisa com quatro mil mulheres listando vários procedimentos, e 25%
delas reconheceram que sofreram algum tipo de agressão durante o parto. Há um
conflito de interesses, em cuidar das pessoas e lucrar com o cuidado das
pessoas. A mulher é levada a crer que não tem opção, e o que fazemos é mostrar
que tem autonomia sobre a sua gestação. Propomos discussões onde a mulher tem
de ser a protagonista desse processo, de maneira que ela seja amparada para
poder fazer a melhor escolha.
O que é a maternidade
ativa?
Maternidade e gestão ativa são aquelas em que a mulher
pode optar pelo modo como quer que o seu parto aconteça, fazendo escolhas
baseadas em evidências. É o resgate do protagonismo da mulher nas escolhas do
ciclo de gestação. Também apoiamos mulheres em busca de respostas baseadas em
evidências e boas práticas para tudo que se relaciona à saúde e o bem-estar da
dupla mãe-bebê. Defendemos escolhas informadas por evidências científicas no
parto, criação com apego, aleitamento exclusivo até seis meses de vida e
prolongado até 2 ou mais anos de idade, segundo recomendações da Organização
Mundial de Saúde.
E o que são as
escolhas baseadas em evidências?
É um conceito da década de 1980, na qual não se deve
fazer escolha terapêutica sem que haja comprovada necessidade do uso dela como
fundamental para o paciente, no caso a mãe. É por não fazer uso desse conceito
que praticamente 100% dos partos na rede privada e 70% na rede pública são
cesarianas. As mulheres são levadas a optar por uma cesariana sem que seja necessária
para elas e para o bebê, mas por ser conveniente ao médico, ao hospital e a
outros profissionais da saúde.
O que é o
MaternaMente?
A ação concreta do grupo existe há três anos e
meio. Faz aniversário de quatro anos em
agosto. Somos um grupo de profissionais da saúde que debate e estimula para que
as mulheres tenham uma maternidade ativa. Temos um blog, onde divulgamos
artigos, informativos, ideias, e mensalmente fazemos encontros para o debate.
Nos juntamos também a outros movimentos de mulheres em palestras, passeatas,
atos, e prestamos assessoria para a formulação de políticas públicas a partir
dos debates.
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