Por Saul Leblon,
na Carta Maior
É preciso evitar que a agenda da crise paralise e
ensombreça o Brasil.
Quem adverte são economistas simpáticos ao governo,
preocupados com a prostração em que se encontra o debate do desenvolvimento.
Seriam eles os últimos a subestimar o teor sistêmico da
desordem internacional, cuja implosão, na verdade, previram e advertiram.
Mais que isso.
Atuam para mitigar seus efeitos no país. São ouvidos e
consultados pelo governo na implantação de contrapesos estratégicos.
Baixar as taxa de juros, reduzir o superávit primário e
corrigir o câmbio, por exemplo. No limite, se necessário, adequar a meta de
inflação.
O fundamental é assegurar a travessia do colapso
mundial sem trazer a crise para dentro do Brasil, como anseia o
conservadorismo.
A agenda mercadista mal disfarça esse propósito.
Com os meios generosos a sua disposição, difunde a
fatalidade cinza em cada esquina.
A ênfase sobressaltada atende a interesses de bolso,
ideologia e palanque.
É um bloco respeitável, exacerbado pelo poder desigual
de vocalização que o monopólio midiático lhe confere.
Tome-se o Brasil das manchetes, que não raro agridem o
próprio texto. Tome-se a negligência diante das decisões estratégicas
anunciadas na reunião dos BRICS, em Durban.
As cinco maiores economias emergentes criaram nada
menos que um ensaio de FMI keynesiano; e um Banco Mundial de investimento, fora
da hegemonia dos EUA.
Tome-se, ainda, o silencioso, mas expressivo processo
de reindustrialização dos EUA, que está trazendo de volta a manufatura de alta
tecnologia.
Enfim, crise continua, mas o mundo se move.
A prostração inoculada diuturnamente pelo noticiário
econômico recusa ao Brasil a capacidade de dizer: ‘eppur si muove’.
É uma escolha, não um recorte isento.
A escolha menospreza singularidades locais que podem
subverter a dinâmica da crise entre nós, dizem os economistas.
Eles dispensam os exemplos mais notórios desses trunfos
— o mercado de massa expandido nos últimos 11 anos e os níveis recordes de
emprego.
Preferem se fixar em uma alavanca quase épica que foge
ao estereótipo de um debate vicioso e datado sobre o desequilíbrio entre oferta
e demanda, entre inflação e juros.
O passo seguinte do desenvolvimento brasileiro, dizem
eles, está no impulso industrializante contido no pelo pré-sal.
A paralisia da industrialização brasileira é real e
afeta todo o tecido econômico.
Asfixiada pelo câmbio valorizado e pela concorrência
chinesa, a indústria brasileira de transformação perdeu elos importante, em
diferentes cadeias de fornecimento de insumos e implementos.
Não é um fenômeno recente.
O PIB cresceu em média 2,8% entre 1980 e 2010; a
indústria da transformação cresceu apenas 1,6%, em média. Sua fatia nas
exportações recuou de 53%, entre 2001-2005, para 47%, entre 2006-2010 .
O mais preocupante é o recheio dessas estatísticas.
Linhas e fábricas inteiras foram fechadas. Clientes
passaram a se abastecer no exterior. Fornecedores se transformaram em
importadores. Apenas carimbam seu logotipo ao lado do fabricante estrangeiro.
Empregos industriais foram eliminados; o padrão salarial do país foi afetado
para pior.
É possível interromper essa sangria, com redução de
juros, incentivos, desonerações, protecionismo e ajuste do câmbio, como tem
sido feito pelo governo.
Mas é difícil, muito, reverter buracos consolidados.
O dinamismo que se perdeu terá que ser substituído por
um gigantesco esforço de inovação e redesenho fabril, a um custo que um país em
desenvolvimento dificilmente poderia arcar.
Exceto se tivesse em seu horizonte a exploração
soberana, e o refino, das maiores jazidas de petróleo descobertas no século 21.
É esse bilhete premiado que o pré-sal significa para o
Brasil.
São cerca de 50 bilhões de barris de petróleo,
guardados a 300 km da costa e cerca de seis mil metros abaixo da superfície
d’água.
O país tem tecnologia para tirá-lo de lá. Na verdade, a
Petrobras detém a ponta dessa tecnologia no mundo.
Esse trunfo avaliza a viabilidade de uma
reindustrialização como resposta brasileira à crise.
A agenda enfatizada pelos economistas é o oposto do que
alardeia o conservadorismo.
Seu empenho, neste momento, é fazer da Petrobras um pé
de palanque da campanha sombria: o ‘Brasil que não dá certo’.
Os números respondem.
O pré-sal já produz 300 mil barris/dia. Em quatro anos,
a Petrobras estará extraindo 1 milhão de barris/dia da Bacia de Campos.
Até 2017 a estatal vai investir US$ 237 bilhões; 62% em
exploração e produção.
Em 2017 os poços do pré-sal estarão produzindo um
milhão de barris/dia. Três anos depois, em 2020, serão 2,1 milhões de
barris/dia.
O pré-sal mudou o tamanho geopolítico do Brasil.
Mas os efeitos virtuosos desse salto no conjunto da
indústria exigiam um lacre de segurança.
Ele foi fixado em lei, no governo Lula.
O marco regulador do pré-sal, aprovado com a oposição
de quem agora agita a bandeira da defesa da Petrobras – institui o regime de
partilha e transfere o comando de todo o processo tecnológico, logístico,
industrial, comercial e financeiro da exploração à estatal.
Todos os contratados assinados nesse âmbito passam a
incluir cláusula obrigatória de conteúdo nacional – da ordem de 60% , pelo
menos.
Esse é o ponto de mutação da riqueza do fundo do mar em
prosperidade na terra.
Toda uma cadeia de equipamentos, máquinas, logística,
tecnologia e serviços diretamente ligados, e também externos, ao ciclo do
petróleo será alavancada nos próximos anos.
O conjunto pode fazer do Brasil, também, num grande
exportador industrial nessa área.
É sobre isso que os economistas falam quando demonstram
impaciência com o círculo vicioso de fatalismo embutido na pauta conservadora
da crise.
O mais difícil foi feito.
O novo marco regulador transfere à Petrobras a
responsabilidade soberana de harmonizar duas variáveis básicas: o ritmo da
extração e do refino; e a capacidade brasileira de atender à demanda por
plataformas, máquinas, barcos, sondas etc.
Se a exploração corresse livre, como gostariam a
república dos acionistas e as multinacionais, o fôlego da indústria local seria
atropelado.
Todo o efeito multiplicador vazaria na forma de
importações e geração de empregos lá fora.
Não são apenas negócios, portanto.
Cerca de 300 mil jovens brasileiros serão treinados nos
próximos anos pelo Promimp, o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de
Petróleo e Gás Natural.
Se o novo marco regulador eles seriam desnecessários.
A arquitetura da soberania pressupõe, ainda, forte
expansão da rede brasileira de refinarias, estagnada desde 1980.
Cinco plantas estão sendo construídas, simultaneamente.
Para horror da pátria dos dividendos, que prefere
embolsar lucros com o embarque maciço de óleo bruto.
O parque tecnológico de ponta que está nascendo na Ilha
do Fundão, no Rio de Janeiro, com laboratórios de todo o mundo, é um
desperdício do ponto de vista dessa lógica.
Mas, na realidade, é uma espécie de berçário da
reindustrialização que se preconiza.
Dele sairão inovações e tecnologias que vão irradiar
saltos de eficiência e produtividade a toda a rede de fornecedores nacionais do
pré-sal.
É desse amplo arcabouço que poderão jorrar os recursos
do fundo soberano para erradicar as grandes iniquidades que ainda afligem a
população brasileira.
Tudo isso é sabido. Mas passa hoje por um moedor de
memória e esperanças destinado a triturar a reputação da estatal, que detém o
comando sobre a exploração de uma riqueza cobiçada.
A Petrobras passa por ajustes compreensíveis depois do
gigantesco estirão desencadeado pelas descobertas do pré-sal.
Uma crise planetária atravessou o seu caminho e o seu
faturamento, bem como os de todas as grades corporações do planeta.
Ainda assim, seu lucro em 2012 foi de R$ 21,18 bilhões.
Ficou em R$ 8 bilhões, ao final do governo do PSDB.
A Petrobras hoje foi capturada pela agenda da crise sem
fim.
Cabe ao governo, em primeiro lugar, pôr ordem no salão.
E trazê-la de volta para a agenda do desenvolvimento.
Comentários
Postar um comentário