Por Roberto
Amaral
Apoiador de Chávez, com um boneco do líder nas mãos,
acena ao chegar para o velório em Caracas, na quinta-feira 14. Foto: Ronaldo
Schemidt / AFP
Em 14 anos promoveu 17 eleições (a 18ª travar-se-á no
dia 14 de abril ainda em torno de sua legenda) e ganhou nada menos de 16! Mas é
um ‘ditador’, diz o Departamento de Estado dos EUA e o repetem nossos
jornalões, reproduzindo suas matrizes ideológicas.
Convocou por plebiscito uma Constituinte autônoma e a
confirmou em referendo. Nossa democracia, vencida com tanta dor a ditadura
(cujos crimes só agora começam a ser oficialmente apurados!), teve de se
conformar com um Congresso ordinário (inchado até com senadores biônicos)
autoinvestido de poderes constituintes.
A Constituição da ‘ditadura’ chavista – caminhando para
a democracia direta –, incorpora avanços impensáveis ainda hoje no Brasil. Além
da iniciativa popular legislativa, do plebiscito e do referendo (consultivo,
revocatório, aprovatório e abrogatório), introduziu a revogação de mandatos,
inclusive o do presidente. Chávez, ainda, inovou, ao submeter seu mandato a
referendo (2004).
Mas, asseveram os comentaristas, o ‘regime chavista’
era (e prossegue sendo com Maduro) uma ‘ditadura’. Democracia mesmo, bem esta é
a do grande ‘irmão do Norte’, onde Al Gore ganha as eleições no voto e quem
toma posse é Bush…
No Brasil democrático, a ‘Constituição cidadã’ do Dr.
Ulysses foi contestada desde o primeiro dia pelos seus avanços sociais, tarefa
a que se devotaram Sarney, Collor e FHC, em nome da chamada governabilidade.
Hoje, é um texto sem caráter, colcha de retalhos, mutilada por 71 emendas (e
outro tanto em andamento…) que derrogaram a maior parte das conquistas sociais
e os dispositivos que protegiam o interesse nacional. O que sobrou de avanço,
sofre a condenação da direita, ecoada pela grande imprensa. Bom exemplo é a
impossibilidade de cumprir a ordem do art. 220 da CF (aquele que regula os
meios de comunicação de massa).
Acostumados com a leniência de nossos governos, dos
partidos, do Legislativo e do Judiciário – todos acovardados diante do
monopólio da informação – os grandes meios dizem que Chávez era um ditador
porque enfrentou o que não ousamos enfrentar aqui: o monopólio da informação
manipulada. Lá, os poderosíssimos grupos RCTV e Globovision. Não se informa
(ora, informar não é o objetivo da grande imprensa!) que esses grupos de mídia
foram instrumento fundamental (e evidentemente inconstitucional e ilegal) no
golpe de Estado de 2002, contra Chávez, articulado pela embaixada dos EUA e o
grande empresariado venezuelano. Como aqui em 1964, o golpe de lá também foi
perpetrado em nome da democracia. Lá, o ‘democrata’ Pedro Carmona, presidente
da Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio (Fedecámaras), assim que
instalado no Miraflores, atribuiu a si mesmo poderes extraordinários para
determinar a dissolução da Assembleia e o recesso do Judiciário e da
Procuradoria…
Seria esse o regime que prometia livrar a Venezuela da
‘ditadura chavista’. A diferença entre o nosso longevo golpe de 1964 e o
venezuelano de 2002 é que lá o povo reagiu e depôs os golpistas. O resto é
história contada e sabida.
No Brasil, a direita – e ela é a mesma aqui, ali e
acolá –, responde com arreganhos a toda e qualquer iniciativa, seja mesmo
puramente acadêmica, teórica, de democratização dos meios de comunicação,
oligopolizados do ponto de vista empresarial e monopolizados do ponto de vista
ideológico. Hoje um poder acima do Estado, e da Constituição, irresponsável
porque inimputável, poder que ninguém ousa controlar. Pois uma das exigências
da democracia é o encontro da liberdade com a responsabilidade. Uma não pode
ser maior do que a outra.
Não se quer muito. Agora mesmo, no México, o governo
festejadamente democrático de Peña Nieto criou um Instituto Federal de
Telecomunicações com poderes para regular a concorrência nos mercados de
telefonia e radiodifusão. Terá sido acometido de algum vírus chavista? Se essa
regulação caminhar no sentido da democratização, o alvo poderá vir a ser o
Grupo Televisa, que detém 70% da audiência mexicana. Nessa hipótese de ‘mau
exemplo’, o México continuará sendo considerado uma democracia?
O merecido conceito brasileiro de democracia
representativa estável resistiria, na voz dos monopólios, a qualquer tentativa
de democratização dos meios de comunicação de massa?
Fala-se, agora, que Maduro, indicado vice na forma da
Constituição venezuelana, não poderia permanecer no cargo após a morte do
titular. No Brasil, o colégio eleitoral (que substituiria o povo no direito de
eleger o presidente), elegeu Tancredo, e, com sua morte, o Congresso, passando
por cima do presidente da Câmara dos Deputados, deu posse ao vice-presidente
José Sarney (também e não por acaso ex-presidente do partido da ditadura, é
impossível deixar de lembrar).
A história da Constituinte condicionada e da posse do
vice no lugar do presidente morto antes de seu juramento no Congresso e de
instalar-se no Planalto, remonta a negociações de próceres do PMDB com os
militares que teriam dado origem a compromissos para assegurar a transição do
poder militar para o poder civil, monitorado por aquele. Um dos compromissos
teria sido o da convocação de um congresso constituinte, em vez de uma
Constituinte autônoma; outro, inimputabilidade dos crimes da ditadura.
Notável reformador
Não nos enganemos. A direita, no Brasil e no mundo,
jamais teve apreço pela democracia, embora alegue sua defesa sempre que promove
golpes-de-Estado. As razões para a guerra midiática antichavista são objetivas:
a Venezuela possui uma das maiores reservas petrolíferas do mundo, reservas que
sobreviverão quando secarem as do Oriente Médio, depredado pelas grandes
potências. Em seu rastro, a pobreza de milhões (em contraste com a riqueza
obscena de suas classes dominantes) e os milhões de vítimas de um genocídio permanente,
sustentado pela fome e pelas guerras impostas pelo imperialismo.
Para as elites venezuelanas, corruptas, pérfidas, o
petróleo serviria tão só para o seu enriquecimento e fausto, pois os lucros
eram aplicados em Miami, sua verdadeira capital. Quanto mais o país exportava
petróleo – e importava tudo porque nada era investido na produção de alimentos
ou na industrialização – o povo, as grandes massas, a maioria da população, os
mulatos e os mestiços, pobres porque povo mestiço, viviam na pobreza abjeta,
sem emprego, sem educação, sem saúde, sem nada porque também sem esperança. Que
fez o ‘caudilho’, coronel ‘populista’, ‘demagogo’? Desviou os lucros da PDVSA
para a melhoria das condições de vida da população, da população pobre, em
detrimento, salve ele!, de suas elites alienadas e forâneas, em detrimento dos
poderosos, inclusive dos poderosos empresários da mídia, em prejuízo inclusive
de uma corporativismo sindical corrupto.
Cedo, Chávez compreendeu a importância da união
cooperativa dos Estados latino-americanos, o que sempre irritou as metrópoles.
Daí a tentativa de desmoralizar seu bolivarianismo. Estreitou as relações
econômicas com a Argentina (que socorreu com a compra de seus títulos
desvalorizados), ajudou Cuba e diversos pequenos países do Caribe (fornecendo
petróleo subsidiado), cooperou com a Bolívia e o Equador. Promoveu aproximação
sem precedentes entre a Venezuela e o Brasil (com FHC, com Lula, com Dilma),
cujos efeitos econômicos a burguesia indígena, se tivesse um mínimo de
autonomia ideológica, saberia reconhecer. Mas ao contrário, combateu o quanto
pôde o ingresso da Venezuela no Mercosul, projeto sabidamente do interesse da
região e do Brasil.
Não, não fez a revolução social, mas governou tendo
sempre em vista a emancipação econômica da Venezuela e a melhoria da qualidade
de vida de sua gente, propostas inaceitáveis pela direita (defesa do país e
promoção dos interesses dos pobres), eis as razões de seus conflitos com os EUA
e a oposição dos poderosos internos. Uma oposição de ódio, ódio de classe, ódio
étnico, ódios hepáticos e ódio puro ódio. Mas eis, igualmente, a razão de suas
sucessivas vitórias e a esperança de que o semeado frutificará, regado que é
pelo apoio popular.
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