Por Assis Ribeiro,
Em entrevista, a filósofa Marilena Chauí ataca o
Supremo Tribunal Federal, diz que mídia manipula informação, vê controle da
internet e frisa que Renan Calheiros é regra e não exceção
A suposta criação de uma nova classe média - anunciada
pelo ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e por Dilma
Rousseff (PT) - é uma 'bobagem sociológica', já que o que houve foi a ampliação
da classe trabalhadora. É o que afirma a filósofa Marilena Chauí. Ela
participou, na última quarta-feira, em Goiânia, de edição do Café com Ideias. O
fórum é uma promoção do Centro Cultural Oscar Niemeyer, do Governo de Goiás. O
evento é organizado pelo jornalista e professor da UFG Lisandro Nogueira.
Professora titular do Departamento de Filosofia da
Universidade de São Paulo (USP), Marilena Chauí informa que existem duas
classes no capitalismo [Burguesia e proletariado/classe trabalhadora]. Para
ela, a classe média não teria função econômica, mas ideológica. "Como
correia de transmissão das ideologias das classes dominantes. Até
'intelectuais' pertencem, hoje, à classe trabalhadora", dispara.
"Técnica e ciência viraram forças produtivas", analisa.
Perplexidade
A antiga classe média está apavorada, porque pela
escolaridade ela não se distingue, provoca. "Pela profissão, menos
ainda", atira. Ela está perplexa com a entrada da classe trabalhadora na
sociedade de consumo, insiste. "Qualquer um pode andar de avião. Não tem
mais distinção nenhuma", ironiza. Cáustica, a ex-secretária de Cultura da
Prefeitura Municipal de São Paulo (1989-1992), sob a gestão de Luiza Erundina,
define a classe média como "conservadora e autoritária".
A professora denuncia os grandes conglomerados de
comunicação. A mídia monopoliza a informação, avalia. "A diferença é vista
(pela mídia) como "discordância e atraso, portanto perigosa",
explica. Segundo ela, há 10 anos, a mídia era um oligopólio. "Hoje, quase
atinge a dimensão de um monopólio", informa. "Monopólio, mão única,
ideologia da competência, interesses obscenos. A manipulação é contínua. É uma
coisa nauseante", discursa, em um tom de indignação.
Marilena Chauí afirma que a internet pode ser um fator
de democratização do acesso à informação, mas também de controle. Ela aponta a
suposta vigilância e controle dos equipamentos informáticos, com hegemonia dos
Estados Unidos e do Japão.
Neoliberalismo
Ligada ao PT, ela ataca o neoliberalismo. "O
encolhimento do espaço público e o alargamento dos espaços privados". Em
uma crítica velada aos oito anos de gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso
(SP), ela relata que o "remédio neoliberal" seria um engodo.
"Como mostram as crises da União Europeia e dos Estados Unidos",
explica. Especialista em Espinosa, a professora diagnostica a desmontagem do
sistema produtivo da Europa. "A Europa é um parque jurássico e pode não
conseguir se recuperar".
A democracia é frágil no capitalismo contemporâneo,
aponta. Ela exorciza o que define como ideologia da competência
técnico-científica. "Um produto da divisão entre as classes sociais,
sedimentada pelos meios de comunicação social e que invade a representação
política", teoriza. A filósofa diz que são imensos os obstáculos à
democracia no capitalismo. "A democracia não se confina a um setor social
apenas", fuzila. O cerne da democracia é a criação de direitos e ser
aberta aos conflitos, acredita.
Marilena Chauí condena ainda o mito da não violência
brasileira. A imagem de um povo alegre, sensual, cordial seria invertida.
"O mito é também uma forma de ação, cuja função é assegurar à sociedade a
sua autoconservação. Ele encobre, substitui a realidade", analisa. Para
ela, com a hegemonia da cultura do mito, a violência se restringiria à
delinquência e à criminalidade, o que legitimaria a ação do Estado,
via-repressão, aos pobres, às supostas classes perigosas.
"As desigualdades salariais entre homens e
mulheres, brancos e negros, brancos e índios, e a exploração do trabalho
infantil e de idosos são considerados normais", discursa. "É no
fiozinho da vida cotidiana que você vê o grau de violência da sociedade
brasileira: "você sabe com quem está falando?", analisa. A
ex-secretária de Cultura do município de São Paulo afirma que a sociedade
brasileira é autoritária. "O Supremo [STF] é a expressão máxima do
autoritarismo", provoca.
"Nós precisamos de quase 30 anos para criar a
Comissão Nacional da Verdade", desabafa. A CV surgiu em 2012. Ela cita
como exemplo diferente a instituição da Comissão da Verdade da África do
Sul,logo após o fim do Apartheid, regime de segregação social e racial. Ela
culpa o sistema político do Brasil, que teria sido criado pelo general Golbery
do Couto e Silva, bruxo da ditadura civil e militar (1964-1985). "Ninguém
mexeu na estrutura política [deixada pelo regime militar]", pondera.
Renan Calheiros
Crítica, Marilena Chauí avalia que o presidente do
Senado e do Congresso Nacional, Renan Calheiros (PMDB-AL), [que abençoou os
governos de Fernando Collor de Mello (1990-1992), Fernando Henrique Cardoso
(1995-1998 e 1999-2002), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010) e
Dilma Rousseff (2011-2013)] faria parte da ordem natural das coisas no Brasil.
"A sua figura, não é a exceção, mas a regra", dispara. É uma coisa
esquizofrênica, metralha."Mas uma reforma política ampla poderia nos libertar"
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