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Militar cubano fala de bloqueio, Yaoní e mudanças

Por Amanda Cotrim, especial para Caros Amigos
Há quase um mês em Cuba, eu percebo que chegou a hora de me manifestar enquanto repórter. Fazer isso no inicio da viagem seria prematuro, o que poderia me gerar um material frágil. Depois de estar com Cubanos diariamente, faço o convite ao ex-combatente em Angola, o aposentado Luiz Fernandes.
O cenário é a sua própria casa, em Havana Velha. Fernandes é um homem de 63 anos, cabelos grisalhos e uma disposição que faz a gente refletir sobre o bem estar do idoso em Cuba. Idoso, aliás, é uma palavra que serviu de constrangimento ao aposentado quando ele esteve no Brasil a passeio, em 2010. Na fila do bondinho, no Rio de Janeiro, perguntaram se ele queria comprar um bilhete de idoso. Por não entender fluentemente o português, Hernandes achou que a funcionária da bilheteria estava perguntando se ele seria portador de HIV, pois em espanhol idoso tem esse significado. Mas quando lhe explicaram que idoso é quem tem mais de 60 anos, ele riu com os “ruídos” que um idioma diferente pode causar.
Em sua casa, Fernandes fez questão de que essa entrevista fosse publicada no Brasil, para que os brasileiros ouvissem a versão que a maioria dos veículos de comunicação mundial, segundo ele, faz questão de ocultar.
Caros Amigos - Gostaria que você se apresentasse: dissesse seu nome, idade e o que você faz atualmente em Cuba.
Luiz Cavalheiro Fernandes - Eu sou Luiz Cavalheiro Fernandes, aposentado das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba. E tenho 63 anos.
CA - O embargo dos Estados Unidos a Cuba existe há mais de 50 anos. Qual é a sua opinião sobre os principais impactos ele causa ao país?
LCF - Veja, Amanda, é um bloqueio econômico contra Cuba, que é como realmente nós chamamos, porque embargo é uma coisa e bloqueio é outra. Nós acreditamos que não se trata só de um bloqueio econômico, mas um bloqueio político, cultural... É um bloqueio que afeta a saúde, os animais, as plantas e todo o resto. É muito amplo isso.
Eu posso te dar um exemplo: o bloqueio prejudica muito o povo cubano no que diz respeito ao transporte, porque a população usa basicamente transporte popular. Os ônibus para transportar as pessoas nas cidades e os trens para transportá-las entre províncias (o equivalente a estados). Nós temos que trocar tecnologia em várias ocasiões, durante muito anos. Antes, nós trocávamos com a empresa Leila, mas os Estados Unidos pressionaram para que ela não comercializasse mais ônibus conosco. Depois firmamos um contrato com uma empresa no Japão e os EUA pressionaram e ela não nos vendeu mais ônibus, nem caminhões e nem nada que tenha a ver com transporte. E assim sucessivamente tivemos que mudar constantemente.
No passado tínhamos tecnologia soviética, tcheca, húngara e etc. Com a perda do campo socialista, perdemos todos os ônibus que vinham desses países. Isso afetou grandemente o nosso transporte; tanto o popular, como o de carga, tanto por caminhão, quanto por trem.
Ultimamente a questão do transporte vem melhorando por causa da China, que é um parceiro. Então nosso transporte nos últimos 5 anos tem melhorado visivelmente.
CA - Cuba acusa os Estados Unidos de ter infectado seu rebanho suíno para destruir qualquer ameaça de reação econômica. Qual é a sua opinião sobre isso?
LCF - Os Estados Unidos tentam por todas as vias. Eles exercem um bloqueio econômico, político, militar e, neste caso, bacteriológico, na tentativa de destruir a revolução cubana. Um dos principais motivos do bloqueio é que se o povo sente a necessidade, sente fome, tem a miséria, eu acredito que esse povo pode se levantar massivamente contra a revolução. É nisso que o bloqueio aposta há mais de 50 anos. Um exemplo disso é a doença que eles introduziram em Cuba por meio da agricultura e da agropecuária. Introduziram uma doença africana; uma febre de porcos que não existia em Cuba, nem na América Central e Caribe. Como o próprio nome diz: africana. Introduziram essa febre africana. E nós podemos provar que isso foi introduzida pela CIA. Isso matou um milhão de porcos que, por consequência, desapareu do mercado.
CA - Quando?
LCF - Isso foi em 1981. Foi terrível. 
CA - E a enfermidade nos porcos?
LCF - Em 1986.
CA - Qual é a sua opinião sobre a blogueira cubana Yaoni Sánchez?
LCF - Eu acredito que ela é patrocinada para falar mal de Cuba porque ela vive falando que Cuba não lhe concede saída para ir a outro país. Mas antes ela não vivia em Cuba. Yaoni regressou a cuba assalariada pelos Estados Unidos. Ela é paga pela CIA com o dinheiro do contribuinte norte-americano. Com o dinheiro do povo
. E esse dinheiro é desviado para os cubanos falarem mal da revolução. Eles são pagos e dizem mentiras e verdade, porém as verdades são fora de contexto. E assim constantemente Cuba está em pauta. Sempre falam sobre uma suposta ditadura militar que há em Cuba. Ora, a ditadura militar que a América do Sul viveu (Brasil, Peru, Venezuela, Chile, Argetina), não se podia falar mal do governo, porque quem fazia isso desaparecia ou era torturado. Então, não sei de que ditadura militar falam sobre Cuba. É uma extraordinária mentira de alguns meios de comunicação, que acreditam no que essa senhora (Yaoni) diz. Eu não a conheço e aqui em Cuba ela não é representativa.
A maioria do povo cubano não tem acesso à internet. Mas que fique claro: isso não é culpa da revolução, como alguns querem mostrar. A escassez da internet é culpa do império, é culpa do bloqueio que não nos dá acesso a ela. Mais de 90% dos satélites são monopólio dos Estados Unidos. Eles só nos deram quatro bandas para acessar. Temos essas limitações impostas, mas não é porque a revolução não permite que o povo tenha internet, celular ou computador. Essa história da internet é mais uma grande mentira que propagam pelo mundo sobre Cuba.
CA - Como você avalia a transição econômica que o país vem passando, desde compra e venda de imóveis até a abertura de pequenos negócios familiares, como restaurantes e casas de cubanos que alugam quartos para turistas. Esse processo de abertura econômica, que traz traços de uma política econômica liberal. Você acredita que Cuba pode aderir a uma economia capitalista?
LCF - Não é de agora que Cuba está promovendo aberturas. Desde 1986 o país aprovou uma lei que permitia que empresas estrangeiras viessem a Cuba. Inclusive antes de desaparecer a União Soviética, que era nossa principal parceira econômica. Na época não vieram muitas empresas, porque já estavam pressionadas pelo império. Desde essa época se autorizaram alguns trabalhos por conta própria. Pequenas empresas cubanas. No ano de 1994 (período especial), Cuba abriu para o turismo, então vieram algumas empresas e foi estabelecida a economia mista, 51% cubana e 49% estrangeira, empresas brasileiras, inclusive. Alguns cubanos abriram seus próprios negócios e montaram suas pequenas empresas: restaurante, cafeteria, barbearia. Atualmente, isso está sendo mais ampliado. Por exemplo, no caso dos restaurantes, a pessoa pode ter um com quatro mesas, para começar. Agora, ela já pode ter um com 10 mesas. A diferença, basicamente, é essa.
Eu penso que isso é um processo de reestruturação do nosso socialismo diante das condições objetivas que vive o mundo atualmente. Não estamos fazendo nada que vai contra o socialismo, porque nunca o socialismo propõe, assim como o comunismo, que o Estado é o dono de tudo. Mas sim que os principais meios de produção estarão nas mãos do Estado. No entanto, outros serviços podem ser desempenhados por empresas particulares.
Nosso princípio, há mais de 50 anos, era o socialismo o mais rápido possível. Por isso, fizemos coisas que não deram certo, mas que depois retificamos nas décadas seguintes e em todo esse período revolucionário que vivemos. A economia socialista não está escrita como é. A capitalista, por outro lado, o mundo está vendo que é um fracasso total: há milhões passando fome; há milhares de pessoas protestando nas ruas da Europa culta e velha (ironiza). É um desastre; quase desaparece a União Europeia. O capitalismo é um fracasso. Eu acredito que o mundo capitalista vive uma ditadura financeira. Por exemplo, o Berlusconi, durante mais de 10 anos, a justiça italiana queria processá-lo, queria sancioná-lo por corrupção e nunca pode fazer. A União Europeia em uma semana o tira e coloca um banqueiro à frente do governo italiano. Agora, me diga, o que é isso senão uma ditadura financeira? E o que aconteceu na Espanha? Um partido eleito, um presidente eleito numa eleição chamada de democrática, uma eleição burguesa, teve que renunciar ao cargo e adiantar as eleições para e por quem? Outro economista, banqueiro que veio dos EUA; isso não se fala, ninguém diz. Verifiquem na internet.
E na Grécia nem se fala. Por isso eu digo, não há abertura, o que há são medidas para aperfeiçoar nosso socialismo. Aqui o capitalismo não entrará jamais, porque o povo cubano sabe que se o capitalismo entrar em Cuba, nós desapareceremos enquanto nação. E os cubanos não estão dispostos a desaparecer. Somos muito patriotas, muito cubanos e temos muita dignidade para desaparecer como nação.
CA - Apesar de todo o bloqueio que Cuba enfrenta, como o país consegue se organizar para formar e exportar médicos, a exemplo do que vem fazendo no Haiti?
LCF - Também se ocultou isso do mundo. Ninguém sabe que no Haiti havia 1.200 cubanos. O que a maioria não sabe é que dez anos antes do terremoto (que ocorreu em 2010) já havia cubanos no Haiti ajudando para que eles resolvessem seus problemas na área da saúde: tinham 400 cubanos entre médicos, enfermeiros, especialista, etc. Isso antes do terremoto. Depois dos desastres foram enviados muitos médicos do mundo todo. Mas Cuba incrementou 1.200 especialistas cubanos. Quando todos se foram do Haiti, Cuba permaneceu. Depois veio a epidemia de cólera e os cubanos ficaram e trataram esse problema. E temos certeza que os médicos cubanos no Haiti foram fundamentais para erradicar o cólera por lá.
Cuba tem médicos em mais de 50 países. Entre 20 e 30 mil médicos cubanos estão prestando ajuda internacional em vários lugares do mundo. Isso é normal para Cuba.
Do ponto de vista militar, já ajudamos o povo a se livrar do colonialismo. E agora estamos atuando na saúde e na educação. Porque os professores cubanos estão alfabetizando em meio mundo. É isso que posso dizer. Atualmente há mais de 500 médicos cubanos no Haiti.
Recentemente foi firmado um convênio entre Brasil, Cuba e Haiti. Estão construindo hospitais no Haiti com a colaboração do Brasil. Também se criou um convênio entre Haiti, Cuba e Venezuela. Está sendo implantado um sistema de saúde que antes não havia. Sem uma ajuda solidária, o que seria do Haiti? Teria que comprar o petróleo a 100 dólares o barril. Isso seria terrível. Com o convênio, o petróleo está sendo negociado com a Venezuela. Mas tenho certeza que os países ricos poderiam ajudar muito mais.
CA - Quem não conhece Cuba questiona os direitos humanos em seu país. Por que você acredita que em Cuba há direitos humanos?
LCF - Isso é uma grande mentira que falam constantemente sobre Cuba. O povo cubano demonstra que o seu país é o lugar aonde mais se respeitam os direitos humanos. Um exemplo concreto são as comissões de direitos humanos que vieram a Cuba e visitaram até os presídios cubanos.
CA - Há presos políticos em Cuba?
LCF - Não há presos políticos. Há presos comuns, que quando violam as leis cubanas, colocam a população em risco, nós prendemos e julgamos de acordo com as leis.
CA - Praticamente todos os dias os telejornais cubanos relembram os cinco cubanos detidos nos EUA. Por que Cuba acusa a justiça norte-americana de ir contra os direitos humanos nesse caso?
LCF - Cinco companheiros que estavam infiltrados em organizações antirrevolucionárias e terroristas que existem em Miami. Foram presos nos EUA, acusados de serem agentes a serviço de outro governo sem autorização dentro dos Estados Unidos. E três deles foram condenados a penas perpétuas. Se não fosse trágica, essa situação causaria risos.
Estão presos ainda, com sentenças políticas, sentenças que eles pediam que não fossem feitas em Miami. Se essa sentença tivesse sido dada em outro lugar, o resultado teria sido diferente; a sentença é uma mentira, uma coisa política. Não é só o fato de estarem presos, mas as coisas que lhes fazem. Tem um que não pôde ver a filha recém-nascida até que ela completou seis anos. Outro cumpriu treze anos, lhe deixaram mais três anos para castigá-lo e está sem poder ver a esposa, obrigado a viver em Miami. E ainda vêm falar de direitos humanos em Cuba. Aqui, o primeiro direito é da criança, que recebe leite, vacina e educação.
Todos têm direito a educação. Em cuba não há analfabetismo. Todos têm direito a saúde garantido. Todos têm direito a estudar, a praticar esporte. Se quiser ser religioso, pode ser; se quer ser bailarino, pode ser; se quer ser professor, pode ser. Todos têm direito a votar. E em Cuba o voto é voluntário, e mais de 90% cubanos votam a cada dois anos e meio. Quer mais direitos humanos que isso?
CA - Há liberdade de expressão em Cuba?
LCF - Cada cubano tem direito a se expressar como quiser, fazer críticas e etc. Isso se manifesta na democracia que praticamos diariamente em reuniões populares, no partido, no governo, que recebem sugestões.
Sobre qual direito humano fala o imperialismo, se para eleger um senador se gasta milhões de dólares e depois o povo, que ele representa, não pode cobrar, porque ele vai morar numa mansão em Washington, longe de seus eleitores? Mas em Cuba isso é diferente, porque, é claro, temos um sistema diferente. Aqui é muito mais perfeito que o sistema capitalista, apesar de ter muitas deficiências.
Não há obra humana que seja perfeita. A nossa não é perfeita; está sujeita constantemente à perfeição e é isso que estamos fazendo: aperfeiçoando nosso sistema social; um bem diferente do império. Não queremos que eles sejam iguais a nós. Queremos é que nos deixem viver e nos deixem fazer nosso sistema e desenvolvê-lo como quisermos.

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