Por The New York Times
Após aposentar seu acelerador de partículas e ver a
Europa descobrir a partícula de Deus, país avalia as possibilidades para
continuar na vanguarda da pesquisa científica.
Em uma manhã de domingo no início de janeiro, cerca de
duas dúzias de renomados físicos se reuniram a portas fechadas no Instituto de
Tecnologia da Califórnia (Caltech), supostamente para falar sobre quem deve ser
o próximo diretor do Laboratório Nacional Acelerador Fermi, o Fermilab,
principal laboratório de alta energia do país. Eles, na verdade, acabaram por
refletir sobre a situação atual de sua profissão.
Os físicos americanos não estavam exatamente à margem
em julho do ano passado, quando a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear,
o Cern, anunciou a provável descoberta do tão procurado Bóson de Higgs , a
chave para compreender a origem da massa e da vida no universo.
Os Estados Unidos contribuíram com 531 milhões de
dólares para construir e equipar o Grande Colisor de Hádrons, a máquina
europeia de bilhões de dólares com a qual a descoberta foi feita. Cerca de
1.200 americanos trabalham no Cern, incluindo Joe Incandela, da Universidade da
Califórnia em Santa Barbara, que liderou uma das duas equipes que fizeram o
anúncio da descoberta em julho .
Porém, à medida que a ciência avança, os físicos de
partículas americanos se perguntam qual o papel eles exercerão – se é que
exercerão algum papel – no futuro da física de alta energia – a busca das
partículas fundamentais e das forças da natureza – um campo que outrora
dominavam.
"Há um forte sentimento de angústia no
campo", disse Michael S. Turner, físico e cosmólogo da Universidade de
Chicago que participou da reunião na Caltech.
Depois de cancelar o Supercolisor Supercondutor, que
teria sido a máquina de física mais poderosa do mundo, em 1993, e de fechar o
Tevatron do Fermilab em 2011, os Estados Unidos já não possuem a ferramenta
preferida pela física – que atualmente é precisamente um colisor de partículas.
O maior projeto do Fermilab daqui para frente é um
plano para disparar um feixe de neutrinos, partículas fantasmagóricas, por 1300
quilômetros terra adentro até um detector na antiga mina de ouro Homestake, em
Lead, Dakota do Sul, para investigar suas propriedades de mudança de forma.
Os resultados podem contribuir para solucionar
problemas profundos e intratáveis da cosmologia, ou seja, o motivo pelo qual o
universo é feito de matéria e não de antimatéria, mas não há dinheiro
suficiente no orçamento do projeto para instalar o detector abaixo do solo, na
parte inferior da mina – onde ele ficaria abrigado dos raios cósmicos e poderia
monitorar neutrinos de explosões de supernovas distantes –, e não na
superfície.
Os americanos que querem desfrutar das emoções de
cruzar as fronteiras da física de alta energia têm de voltar o olhar para o
leste, focando no colisor do Cern, que deve dominar o campo pelos próximos 20
anos. Outra opção é voltar o olhar para o oeste, para o Japão, que está
investindo cerca de 120 bilhões de dólares em estímulos para ajudar na
recuperação do desastre da usina nuclear de Fukushima após o terremoto e
tsunami ocorridos em 2011, e que quer usar parte do orçamento para sediar a
próxima grande máquina da física, o Colisor Linear Internacional, que pode vir
a ter 32 quilômetros de comprimento e fabricar bósons de Higgs para pesquisas
de precisão.
Em fevereiro, em uma conferência de física realizada em
Vancouver, na Colúmbia Britânica, a equipe que trabalhou no projeto do colisor
durante a última década transferiu os planos para um novo consórcio, a Linear
Collider Collaboration ("Colaboração do Colisor Linear"), dirigido
por Lyn Evans, que construiu o Grande Colisor de Hádrons do Cern. Evans disse
que a construção do colisor, próximo grande destaque de sua carreira, teria
início dentro de dois anos no Japão.
Quão desesperadamente os Estados Unidos querem
participar desses projetos, dos quais podem vir os próximos grandes avanços na
nossa compreensão do universo?
"Nosso problema é que a Europa e Ásia consideraram
a possibilidade ou já fizeram investimentos de 10 bilhões de dólares na física
de partículas", explicou Jim Siegrist, diretor associado de física de alta
energia da Secretaria de Energia, que diz que um investimento de tanto dinheiro
assim não está previsto nos Estados Unidos. "O modo como concorremos é um
problema para nós."
Os físicos esperam ter algumas respostas até o meio
deste ano, quando se reunirão novamente em Minneapolis para a Snowmass, uma
conferência de planejamento cujo nome é inspirado no resort do Colorado onde
ela costumava ser realizada até o local começar a custar caro demais. Enquanto
isso, restam apenas dúvidas, como, por exemplo, qual será a relação do país com
o Cern no futuro.
Os Estados Unidos atuam hoje como observador no Cern,
mas esse arranjo expira em 2017. Ingressar como membro pleno custaria algo em
torno de 250 milhões de dólares por ano e está fora de questão. "Nem o
Congresso nem as agências estão interessados", disse Siegrist, que
acredita ainda que nem o próprio Cern estaria interessado em ter o Escritório
de Prestação de Contas do Governo dos EUA e outros "pegando no seu
pé".
Por apenas 25 milhões de dólares, no entanto, os
Estados Unidos poderiam se tornar um membro associado, um caminho que agrada o
diretor geral do Cern, Rolf-Dieter Heuer.
"Para mim, isso seria um avanço", disse Heuer
em uma entrevista recentemente. Ele, porém, reconheceu que isso não viria sem
percalços políticos e orçamentários do lado americano.
"Sei que as circunstâncias são delicadas",
disse ele.
Por ora, disse Siegrist, as autoridades americanas e o
Cern devem discutir como os Estados Unidos podem ajudar a aperfeiçoar
consideravelmente o colisor planejado para 2022. Para isso, serão necessários
novos ímãs supercondutores feitos de fios de nióbio-estanho. "O Cern
gostaria de se beneficiar da nossa tecnologia", disse Siegrist.
Assim como no caso do Colisor Linear, Siegrist disse
que as autoridades japonesas e uma delegação japonesa devem visitar os Estados
Unidos ainda nesta primavera do hemisfério norte para falar sobre esquemas de
cooperação.
Siegrist disse que o investimento americano no colisor
do Cern havia estabelecido um precedente para ajudar a apoiar os aceleradores
de partículas no exterior. E mostrou que os Estados Unidos podem ser um
parceiro fiável em tais projetos. Em troca, disse ele, o Fermilab pode ter
ajuda externa para realizar o experimento de neutrino, o suficiente para
colocar o detector sob a terra, ou para propor uma instalação, chamada Projeto
X, para produzir feixes intensos de prótons. Não se sabe qual será o resultado
dessas iniciativas em tempos de sequestro de verba e cortes federais, admitiu
ele, mas a física de partículas produziu desdobramentos importantes na
medicina, incluindo dispositivos de imagem e feixes para o tratamento do
câncer, assim como na ciência dos materiais.
"Os funcionários do Congresso com quem conversamos
são muito simpáticos", disse ele. "Esse tipo de ciência voltada a
novas descobertas claramente interessa ao governo."
No entanto, paira sobre todo o campo a preocupação de
que após o bóson de Higgs, possa não haver nada mais a descobrir, pelo menos no
que diz respeito aos níveis de energia possíveis de serem alcançados com os
aceleradores que podem ser construídos atualmente. Talvez, dizem alguns
físicos, o Fermilab deva ceder às pressões e se concentrar no desenvolvimento
de uma nova tecnologia que possa baratear os aceleradores e diminuir seu
tamanho.
Mesmo a proposta do novo colisor linear é um dinossauro
de acordo com esses parâmetros, disse Turner, da Universidade de Chicago.
"O Japão está em boas condições para construir o próximo
grande dinossauro", disse ele. "Talvez todo mundo esteja lutando para
assumir o comando de um campo que já está morto."
Comentários
Postar um comentário