Por Paula Adamo
Idoeta, da BBC BRASIL
Enquanto ainda era cardeal, nos anos 1980, Joseph
Ratzinger, que depois se tornaria o papa Bento 16, condenou a Teologia da
Libertação, movimento nascido na América Latina que defende a justiça social
como um compromisso cristão.
Ratzinger, na época prefeito da Congregação para a
Doutrina da Fé, criticou "desvios prejudiciais à fé" pelo uso
"de maneira insuficientemente crítica" de pensamentos marxistas na
Teologia da Libertação.
Agora, passados mais de 40 anos desde que o termo foi
cunhado (em 1971), com a renúncia de Bento 16 e a iminente eleição de um novo
papa, o "projeto de libertação" dos mais pobres e oprimidos, que teve
tanto impacto no Brasil e na América Latina, parece ter à frente uma nova
chance de encontrar uma aceitação maior dentro da Igreja.
Não seria uma tarefa fácil. De um lado, defensores
reforçam a relevância da Teologia da Libertação para combater a desigualdade
social e também a degradação ambiental; de outros, observadores citam a perda
de protagonismo e a "marginalização" dessa forma de pensamento.
Para André Ricardo de Souza, professor do departamento
de sociologia da Universidade Federal de São Carlos, a teologia deixou
importantes marcas percebíveis até hoje, influenciando a agenda de movimentos sociopolíticos
(do Partido dos Trabalhadores ao Movimento dos Sem-Terra e à presidenciável
Marina Silva, hoje evangélica) e ideais sociais, como o da economia solidária e
da distribuição de renda.
LONGE DA TOMADA DE DECISÕES
No entanto, "embora seu discurso de auxílio aos
pobres tenha sido, em boa medida, incorporado pela CNBB (Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil), institucionalmente (a TL) virou algo marginal, sem
acesso à tomada de decisões (na igreja). Poucos bispos e formadores se
identificam com ela", opina Souza, que está escrevendo um livro sobre os
laços entre igreja e economia solidária.
Essa visão é compartilhada pelo padre José Carlos
Pereira, sociólogo e responsável pelas análises do Anuário Católico, que opina
que a "opção preferencial pelos pobres", tão forte entre os anos 1960
e 80, "começou a se perder" na igreja nos anos 1990.
"Começou-se a se voltar mais à tradição de Roma, a
ter uma preocupação mais litúrgica. No Brasil isso se acentuou muito. As
questões sociais que eram evidenciadas nas décadas de 70 e 80 foram se
esvaziando, se esfriando. Até o ponto de chegarmos a ter hoje seminaristas com
aversão à Teologia da Libertação", diz à BBC Brasil.
"A preocupação com uma igreja na sociedade junto
aos pobres esfriou e se tornou mais doutrinária, sobre questões internas e
regras da Igreja. Com a eleição do Papa Bento 16 isso se acentuou muito, porque
ele já tinha a tradição do conservadorismo. Geralmente as pessoas que vieram
das regiões mais pobres são as que mais tem resistência a trabalhar com os
pobres."
'ATUALIDADE ENQUANTO META'
Souza acredita que a eleição de um papa tido como mais
progressista, como o cardeal hondurenho Óscar Rodríguez Maradiaga, pode
aproximar a TL da cúpula eclesiástica.
Mas lembra que foi um "balde de água gelada"
no movimento a declaração, de 2007, do cardeal brasileiro Odilo Scherer - este
apontado como um dos nomes fortes para suceder Bento 16. Há cinco anos, em
sabatina na Folha de S. Paulo, Scherer disse que a TL teve "o seu momento
de crescer, o momento de decair e o momento de desaparecer".
Já Paulo Fernando Carneiro de Andrade, da PUC-RJ, acha
que o legado da TL persiste no catolicismo, independentemente da eleição papal.
"Com aquele conteúdo específico marxista,
ultrapassado desde a queda do Muro de Berlim (1989)", a TL não vai
reverberar na Igreja atual, opina ele. "Mas a opção pelos pobres já
influenciou toda a Igreja, é um patrimônio. E mantém sua atualidade enquanto
proposta e meta."
Jorge Claudio Ribeiro, da PUC-SP, tem opinião
semelhante. "As condições históricas, de oposição a ditaduras
(latino-americanas), não existem mais. Mas a razão fundamental é a pobreza.
Enquanto houver alguém que canalize isso para a visão religiosa, haverá
Teologia da Libertação."
Mas ele também acredita que um papa mais progressista
poderia dar ímpeto aos ideais da TL, acreditando que o futuro pontífice
"pode ter uma margem de liberdade mesmo tendo sido nomeado (por um
antecessor conservador), ter uma atitude mais calorosa com vítimas da
opressão".
Consultado pela BBC Brasil, Leonardo Boff, um dos
principais expoentes da Teologia da Libertação, remeteu a um texto seu de 2011,
em que analisa as 40 anos do movimento, defendendo que este "é atualmente
mais urgente do que quando surgiu".
"Apenas ficou mais invisível, pois saiu do foco
das polêmicas que interessam à opinião pública. Enquanto existirem neste mundo
pobres e oprimidos haverá pessoas, cristãos e igrejas que farão suas as
dores", disse Boff, citando também a incorporação de valores ambientais do
movimento. "(O meio ambiente) é vítima da mesma lógica que explora pessoas
e subjuga as classes."
Quanto ao futuro pontífice, Boff disse em seu blog que
"precisamos de um diferente tipo de papa, mais pastor que professor, não
um homem da Igreja-instituição, mas um representativo de Jesus que disse 'quem
vier a mim eu jamais rejeitarei'".
Com CAMILA COSTA, da BBC Brasil em São Paulo
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