Editorial do jornal Brasil de Fato
Recentemente o senador Renan Calheiros (PMDB/AL),
presidente do Senado, escreveu um artigo na Folha de S.Paulo para tranquilizar
os barões da mídia. Comprometeu-se em trabalhar para impedir um novo marco
regulatório que reorganize o modelo de comunicações vigente no país. Agressivo
e desrespeitoso com governos dos países andinos, que ousaram criar leis que
democratizam as comunicações, o senador alagoano escreveu:
“Outro passo relevante é a defesa do nosso modelo
democrático, a fim de impedir a ameaça à liberdade de expressão, como vem
ocorrendo em alguns países. O chamado inverno andino não ultrapassará nossas
fronteiras. (...) A liberdade de expressão é um dos nossos direitos mais
preciosos. Temos que nos inspirar, sim, nas brisas de uma primavera democrática
e criar uma barreira contra os calafrios provocados pelo inverno andino. Vamos
criar uma trincheira sólida, se preciso legal, a fim de barrar a passagem
desses ares gélidos e soturnos”.
Seguramente o senador, se vivesse no Brasil do início
do século 19, faria o mesmíssimo discurso quando, em 1804, Toussaint
L’Ouverture proclamou a independência do Haiti. O senador trataria de
tranquilizar a coroa portuguesa assegurando que aqueles ares de independência
das colônias, que começavam a soprar, sob a liderança de um escravo, (gélidos e
sotunos?) não chegariam ao nosso território.
Os ventos andinos provocados por Simón Bolívar, que
promoveram a independência da Venezuela, Colômbia, Equador e Bolívia, anos
antes da independência brasileira, certamente causariam os mesmos calafrios ao
atual presidente do senado.
Essas mesmas palavras - escritas no jornal paulistano
que serviu de apoio à ações repressivas da ditadura militar (1964-84) e hoje
tenta reescrever a história dizendo que o que existiu no período foi uma
ditabranda – poderiam serem transcritas na segunda metade do século 19 para
tranquilizar os senhores de engenho que enriqueciam às custas da mão de obra
escrava.
Os escravocratas, tão defensores de primaveras
democráticas quanto é o Calheiros em sua trajetória política, poderiam ouvir do
senador o compromisso de que os ventos que asseguravam a liberdade dos povos
negros não ultrapassariam nossas fronteiras. Políticos como este senador, se
jactam de um poder que não possuem frente aos acontecimentos da história. Suas
retóricas servem apenas para renovar uma canina submissão aos donos do poder,
sejam quais forem os tempos históricos.
O senador usa os novos marcos regulatórios dos meios de
comunicações, promovidos na Venezuela, Bolívia e Equador – os ventos andinos –
para ganhar a conivência dos barões da mídia. Em troca, quer sossego enquanto
preside o Senado. O recado foi claro: não me incomodem no cargo e eu criarei
uma trincheira sólida, se preciso legal, para defender seus interesses dos ares
gelados quem vêm dos Andes.
Calheiros, se estivesse realmente comprometido com os
interesses do povo brasileiro, deveria se preocupar menos com os ventos andinos
e mais com o bafo e os arrotos das elites brasileiras. Vêm de suas entranhas os
ares gélidos e soturnos que vitimam o povo brasileiro e penalizam o país. O que
atenta para a liberdade de expressão, que o senador afirma defender, é o
oligopólio das comunicações e a autorregulação da mídia.
O presidente do senado ignora o exemplo vindo da
Inglaterra que colocou no banco dos réus o senhor Murdoch, dono de um império
de comunicações, e atestou a falência do sistema de autorregulação na mídia.
Esconde que aquele país discute agora a criação de um órgão fiscalizador
independente das empresas jornalísticas.
Não menciona os ventos soprados pela Dinamarca, que
criou um órgão de “co-regulação” para controlar os excessos prejudiciais à
sociedade, preservando a liberdade de imprensa.
E muito menos menciona os ventos soprados pela União
Europeia (EU), o velho continente. Na ultima semana de janeiro, em Bruxelas, a
UE divulgou o relatório Uma mídia livre e pluralista para sustentar a
democracia europeia. O relatório, depois de 16 meses de trabalho, faz 30
recomendações sobre a regulamentação da mídia. Certamente o senador não fez
menções ao relatório por não conhecê-lo, uma vez que a mídia brasileira
ignorou-o completamente.
Silencia sobre os exemplos vindos desses países porque
é mais fácil criticar os governos que a mídia já elegeu como inimigos.
É lamentável que a presidenta Dilma sinaliza, na
terceira Mensagem ao Congresso Nacional, que não tem a disposição de empunhar a
bandeira por um novo marco regulatório da radiodifusão brasileira. Não está no
plano de governo, para 2013, iniciar um processo efetivo de democratização da
comunicação em nosso país. Uma batalha tão importante quanto as reformas
políticas e tributária.
O Brasil poderá ser novamente o último país do
continente, como foi na abolição da escravatura, a enfrentar o poder dos barões
da mídia. Mas esta hora, inevitavelmente, chegará. E quando chegar, o senador
Calheiros poderá poupar seus esforços de escriba e utilizar uma declaração já
escrita, a do deputado escravista Lourenço de Albuquerque: “Voto pela abolição
porque perdi a esperança de qualquer solução contrária; seriam baldados os
esforços que empregasse; sendo assim, homenagem ao inevitável, à fatalidade dos
acontecimentos.”
Contra a vontade daquele parlamentar, que precedeu o de
hoje, os acontecimentos mudaram o Brasil, para melhor. Também os barões da
mídia serão derrotados. É visível como são figuras anacrônicas nos tempos de
hoje. Seria alvissareiro se a presidenta Dilma tivesse sensibilidade com a
oportunidade histórica que bate à porta do seu governo.
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