Pular para o conteúdo principal

Registros revelam ligação de empresários e embaixada com o regime militar em SP

Por Vasconcelo Quadros
Um conjunto de livros de registro de presenças encontrado na sede de um dos centros de repressão em São Paulo revela a estreita relação entre empresários e a embaixada americana com a ditadura militar brasileira. As anotações à mão mostram que o empresário Geraldo Rezende de Matos, que se apresentava como representante da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), e o ex-cônsul dos Estados Unidos na capital paulista, Claris Rowley Halliwell, participavam assiduamente de reuniões com agentes da repressão.
A Comissão Estadual da Verdade encontrou entre os documentos do antigo Departamento Estadual de Ordem Polícia e Social (Deops) - que funcionava no Largo General Osório, região central de São Paulo e um dos centros de prisão e tortura de presos políticos - pelo menos oito livros com anotações à caneta listando personagens que se reuniam no local.
Divulgação
Lista será apresentava na Comissão Estadual da Verdade, nesta segunda-feira, na Alesp
Nele figuram nomes de dezenas de empresários que iam à sede do Deops para participar de reuniões com o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o maior nome da repressão em São Paulo.
Segundo os livros, tanto Rezende de Matos quanto o cônsul americano, em muitas ocasiões, entravam no prédio no início da noite e só saiam na manhã do dia seguinte.
“É a ponta do iceberg”, diz o deputado Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão Estadual da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Ele acha que as anotações demonstram a promiscuidade e o envolvimento direto de grandes empresários no financiamento do golpe civil-militar e na manutenção do esquema repressivo durante os anos de chumbo, especialmente no período de repressão mais dura em São Paulo, entre 1971 e 1973.
Na lista de frequentadores do Deops, além de policiais e empresários, há também os nomes de militares que atuavam em outra frente da repressão, a Operação Bandeirantes (Oban), que funcionava na rua Tutóia, zona sul da capital. Ao contrário do que a própria esquerda avaliou ao longo da história dos anos de chumbo, civis e militares formavam um grupo coeso.

“Sempre imaginamos que havia um racha na repressão. Mas não é verdade. Os registros revelam que Deops e Oban estavam articulados”, diz o ativista Ivan Seixas, ex-preso político e membro da Comissão da Verdade. O Chefe da Oban, o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, por exemplo, participava das reuniões com Fleury e empresários, conforme apontam os registros.
Nos livros há também o curioso registro da presença constante da ex-ministra Zélia Cardoso de Melo no prédio do Deops no mesmo período em que os empresários frequentavam o local. A ex-ministra visitava o pai, o delegado Emiliano Cardoso de Melo, apontado agora pela Comissão Estadual da Verdade como um dos nomes fortes da repressão.
A lista de empresários encontrada nos livros do Deops será aberta em audiência pública marcada para esta segunda-feira. Será a primeira parte do capítulo que tratará da participação de empresários paulistas na arrecadação de recursos para financiar a repressão.
O mais conhecido entre os operadores financeiros do grupo é ex-diretor do Grupo Ultragas, Henning Albert Boilensen, que assistia a sessões de tortura. Boilensen foi executado por um grupo guerrilheiro em 1971 como represália.
Um documento produzido pelo antigo Serviço Nacional de Informações (SNI), encontrado no Arquivo Nacional, em Brasília, pelo procurador Claudio Fonteles, mostra que os militares chegaram a criar um setor específico para fazer a articulação entre militares e empresários em São Paulo. Chamava-se Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI) e era, segundo Fonteles, órgão da Fiesp.
A aliança entre empresas e os militares, segundo Adriano Diogo, era baseada também da reciprocidade de favores: apoio ao combate às organizações da esquerda armada em troca de facilidades que permitissem às empresas se expandir. Nesse grupo estão bancos, grandes montadoras e o grosso do empresariado que, à época, se abrigava na poderosa Fiesp. A lista a ser revelada nesta segunda deverá trazer algumas surpresas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Por que a luta por liberdade acadêmica é a luta pela democracia

Por Judith Butler Muitos acadêmicos se encontram sujeitos à censura, à prisão e ao exílio. Perderam seus cargos e se preocupam se algum dia poderão dar continuidade às suas pesquisas e aulas. Foram privados de seus cargos por causa de suas posições políticas, ou às vezes, por pontos de vista que supõem que tenham ou que lhes é atribuído, mas que não eles não têm. Perderam também a carreira. Pode-se perder um cargo acadêmico por várias razões, mas aqueles que são forçados a deixar seu país e seu cargo de trabalho perdem também sua comunidade de pertencimento. Uma carreira profissional representa um histórico acumulado de uma vida de pesquisa, com um propósito e um compromisso. Uma pessoa pensa e estuda de determinada maneira, se dedica a uma linha de pesquisa e a uma comunidade de interlocutores e colaboradores. Um cargo em um departamento de uma universidade possibilita a busca por uma vocação; oferece o suporte essencial para escrever, ensinar e pesquisar; paga o salário que lib...

54 museus virtuais para você visitar

American Museum of Natural History ; My studios ; Museu Virtual Gentileza ;

Quanto mais controle, melhor

Por Mauro Santayana Controlar os controladores foi sempre um desafio à inteligência institucional das sociedades políticas. Os Estados se constroem e, eventualmente, desenvolvem-se ou retrocedem, entre dois pólos da razão: o da anarquia absoluta e o da ordem absoluta, que só se obtém com a tirania. Entre essas duas tendências antípodas, equilibra-se, no centro, o estado republicano democrático. A visão aristotélica do homem é a de que ele é uma passagem entre o animal e o anjo. Esse caminho à perfeição se deve a duas categorias do espírito, a inteligência e a ética. Nem sempre a inteligência é servidora da ética, como nem sempre a lógica é servidora da razão. Como advertem antigos pensadores, conhecer é dominar. O Estado, qualquer que seja a ideologia que o mova, é necessariamente coercitivo. Cabe-lhe manter corpos policiais, a fim de garantir a coesão da sociedade e o exercício da justiça, de acordo com suas normas. Quando essas normas se originam na vontade geral, elas se legit...