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O crime da privatização dos presídios

Por Marcelo Semer, no blog Sem Juízo
Já faz tempo o Brasil tem constatado um enorme crescimento de sua população carcerária, a quarta no mundo.
Desde a vigência da Lei dos Crimes Hediondos, o número de presos praticamente dobrou no país e vem se expandindo com a última legislação de entorpecentes.
O aumento expressivo desta massa carcerária em nada diminuiu os índices da criminalidade, mas agora pode representar um negócio altamente lucrativo para alguns, o encarceramento privado.
Vendido como o padrão inglês, de grande eficiência e alta tecnologia, a penitenciária mineira de Ribeirão das Neves inaugura este equívoco institucional.
O Estado não vai deixar de pagar para custear os presos. Os empresários é que vão passar a ganhar com as prisões, em valor por condenado –um estímulo e tanto para que elas continuem sempre crescendo. Trocaremos, enfim, salários por lucros.

O que está em questão não é apenas o esvaziamento do Estado em uma de suas mais importantes funções, mas também a ideia desvirtuada de que o crime compensa, ainda que para o carcereiro.
Não podemos criar um mercado que dependa das prisões, sob pena de acabarmos nós mesmos na dependência delas.
A divulgação da parceria enfatizou que a empresa não lucrará com o trabalho dos presos, regra dispensável diante da disciplina contrária da lei federal. Mas mencionou que a própria contratada seria responsável por fornecer assistência jurídica aos detentos –um evidente conflito de interesses, que colide ainda com a competência constitucional da Defensoria Pública.
A execução da pena é tarefa estatal, na qual tomam parte inúmeros agentes públicos e deve ser obrigatoriamente supervisionada pelo Judiciário. Presos não são objetos contratuais, mas sujeitos de direitos –ainda que boa parte destes, verdade seja dita, continuem desrespeitados. Não há porque supor que serão mais respeitados pelo mercado.
O caráter público da prisão, do julgamento e da aplicação da pena são princípios básicos da constituição de nosso Estado. São tarefas indelegáveis, que não se transmitem por contratos ou subempreitadas –como caçadores de recompensas ou oficiais privados de condicional de Estados norte-americanos.
A depreciação de importantes serviços públicos ao longo de décadas de abandono abriram espaços ocupados pela iniciativa privada, especialmente nos casos da educação e na saúde, que acabou entregue ao mercado das seguradoras.
As fissuras na previdência pública vitaminaram recentemente o mercado para as instituições financeiras.
Mas há limites aos quais não se deve ultrapassar, sob pena de se perder por completo a noção de Estado, como já se abala com a progressiva privatização dos serviços de segurança.
Que faremos em sequência, contrataremos mercenários para garantir as fronteiras?

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