Por Rodolfo Machado
Autora do livro
“Alimentos Orgânicos”, um dos mais completos sobre o tema no Brasil e que
acabou de ser reeditado, a nutricionista Elaine Azevedo explica as questões que
envolvem uma alimentação saudável. Em entrevista à Articulação Nacional de
Agroecologia (ANA) ela aborda, não só do ponto de vista nutricional, a
diferença dos alimentos produzidos com insumos químicos para os produzidos em
bases ecológicas.
Segundo a estudiosa, é
preciso analisar toda a rede de produção, levando em consideração as questões
de saúde e econômicas, dentre outras, para entender o que é mais interessante
para o consumo humano de alimentos. Nada pode ser desconsiderado, como o meio
ambiente, e é com essa visão que ela defende a produção orgânica e
agroecológica. Para ela, é muito importante, inclusive do ponto de vista
econômico, a valorização da alimentação local e das feiras da agricultura
familiar.
Como surgiu a ideia de realizar a pesquisa do livro Alimentos
Orgânicos, e quais são as principais teses levantadas por ele?
O livro é produto de
minha atuação como professora e nutricionista interessada em orgânicos, e
começou a ser escrito no início do ano 2000. É a terceira edição, lançada agora
por uma editora com maior inserção e visibilidade no mercado nacional. Além de
abordar a relação entre saúde, alimentos e agricultura e a polêmica questão da
qualidade dos orgânicos e do papel do consumidor nesse circuito comercial (e
político) – primeira ideia do livro – foram introduzidas discussões, resultado
das minhas pesquisas de mestrado e doutorado na Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). No mestrado em Agroecossistemas abordei a relação entre qualidade
de vida e agricultura familiar orgânica, a partir de um estudo que se debruçou
sobre agricultores familiares no interior de Santa Catarina que optaram pela
proposta da Agricultura Orgânica. O estudo de caso ajudou a elucidar a
complexidade das relações das pesquisas sobre qualidade de vida no meio rural,
ao mesmo tempo em que evidenciou a prática da Agricultura Familiar Orgânica
como uma estratégia eficaz na promoção de qualidade de vida e de valores
sociais nesse meio. O doutorado na Sociologia Política teve como objetivo
central analisar as controvérsias sobre riscos e benefícios envolvidos no
processo de construção social do conceito de alimento saudável com dois focos
inseparáveis: os riscos e os benefícios à saúde e ao meio ambiente.
Qual o cenário dos orgânicos no Brasil, levando em consideração
notícias que informam o crescimento do agronegócio no país?
Primeiro é bom enfatizar
que essa dicotomia (agronegócio e agricultura orgânica) é muito frágil. O
agronegócio não está preocupado em PRODUZIR OS ALIMENTOS PARA O CONSUMO DOS
BRASILEIROS ou em promover segurança alimentar e nutricional, mas é uma
dinâmica de caráter econômico que objetiva a concentração de capital pelas
oligarquias transnacionais que predominam no setor. A agricultura orgânica -
especialmente aquela vinculada a agricultura familiar - é quem assume essas
preocupações, junto com a agricultura familiar "convencional". O
interesse nos orgânicos continua a crescer em todo o Brasil, a consciência do
consumidor aumenta e cada vez mais a população busca esse tipo de alimentos em
feiras e lojas especializadas, tendência que aparece em vários países do mundo.
Recentemente foram divulgadas notícias afirmando que os orgânicos não
são mais nutritivos que os alimentos convencionais e, portanto, não possuem
grandes vantagens. É verdade?
A pergunta primeira é
verdade – os orgânicos não têm MAIOR valor nutricional que os convencionais;
têm MELHOR valor nutricional devido ao equilíbrio na quantidade de nutrientes
esperada para cada espécie. A segunda resposta vai depender do que se considera
vantagem. Qual a real vantagem de um alimento com alto valor nutricional
contaminado com agrotóxicos, fertilizantes químicos, aditivos sintéticos,
drogas veterinárias, sementes transgênicas e produtos radiolíticos cuja
produção contamina o nosso ar, a nossa água, o nosso solo, destrói nossas
florestas? E ainda desequilibra o clima, e expulsa do meio rural os poucos
agricultores que ainda se mantém na árdua tarefa de produzir comida para o meio
urbano nesse país. Resumindo: o conceito de valor nutricional é muito
reducionista para definir o que é um alimento realmente saudável para nós e
para o meio ambiente.
Quais são as principais diferenças, do ponto de vista nutricional,
entre alimentos produzidos no sistema agroquímico e os produzidos seguindo o
enfoque agroecológico e as técnicas da agricultura orgânica? Há benefícios para
a saúde relacionados ao consumo de alimentos orgânicos e agroecológicos?
Os alimentos orgânicos e
ecológicos têm maior teor de minerais, pois provêm de um solo equilibrado, e
maior teor de fotoquímicos, além de um equilíbrio nos outros nutrientes. Na
verdade os orgânicos têm a quantidade de minerais esperada para cada cultura; quem
tem de menos são os convencionais.
Há muitos estudos que
relacionam os contaminantes acima mencionados com diversos tipos de doenças
(alguns tipos de câncer, Parkinson; dermatoses, alergias, esterilidade em
adultos; doenças neurológicas e respiratórias, etc). Então espera-se que se NÃO
ingerimos esses contaminantes podemos prevenir algumas dessas disfunções.
Precisamos de estudos de longo prazo que relacionem consumo de orgânicos e
saúde dentro de um contexto de vida saudável, pois não é só a dieta que promove
saúde e qualidade de vida.
Como os nutricionistas enxergam os agrotóxicos e os transgênicos na
produção de alimentos?
De forma geral, os
Conselhos Federal e Estaduais de Nutrição estimulam o consumo de orgânicos e
são favoráveis a rotulagem e a pesquisa mais aprofundada dos transgênicos. Os
nutricionistas da área de Saúde Pública estão mais conscientes da importância
de controlar o consumo dos agrotóxicos e dos transgênicos devido às recentes
discussões das Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional e da Política
Nacional de Alimentação Escolar, que promovem os alimentos orgânicos e
ecológicos de origem familiar. Os nutricionistas funcionais também estão
atentos a essa abordagem. A área clínica ainda me parece a mais distante dessa
discussão, uma vez que os cursos de Nutrição nas universidades ainda carecem de
professores capacitados para abordar esses conteúdos.
Em vários estados do país há frutas, legumes, cereais e outros
alimentos tipicamente locais, que não estão nas grandes redes de supermercado.
Qual sua opinião sobre essa padronização nutricional?
Para falar disso
transcrevo aqui um texto que foi publicado recentemente no Portal Orgânico. Os
alimentos orgânicos podem - e devem - ser discutidos na perspectiva de outro
importante conceito: o de alimento local. Isso porque esses alimentos se
relacionam com a noção de territorialidade dos hábitos alimentares, ou seja,
levam em conta o contexto cultural de produção de alimentos regionais que fazem
com que uma determinada região seja identificada culturalmente pelo tipo de
comida ali produzida. Exemplos? Milhões! Uva? Sul do Brasil... Açaí e tapioca?
Pará! Cupuaçu? Amazonas; Queijo e goiabada cascão? Minas; Pequi, mangaba,
araticum, buriti ou curriola? O cerrado brasileiro. Esses alimentos ajudam na
construção da identidade local, além de promover o desenvolvimento sustentável
e manter muitas famílias no campo.
Isso só ajuda o
desenvolvimento e fortalece a identidade dos lugares. Gilberto Freire já falava
que os alimentos locais/ regionais ajudaram a construir a identidade alimentar
do povo brasileiro. Um povo que perde essa identidade é muito mais fácil de ser
manipulado politicamente. A padronização nutricional é uma forma de
desqualificar a nossa própria identidade cultural e uma maneira de valorizar
dietas moldadas sob a ótica da predominância econômica, tecnológica e cultural
de determinados países.
Além disso, o alimento
local é ajustado ao ecossistema e é produzido com menor custo energético e
menor uso de insumos. Pensando nos gastos energéticos para produzir alimentos,
o jornalista Michael Pollan fala no seu livro "O Dilema do Onívoro"
que 7 a 10 calorias de combustíveis fósseis são usados para produzir UMA
caloria de energia alimentícia. E somente 1/5 dessas calorias vai para a produção
dos alimentos propriamente dita. O restante é destinado para beneficiamento e
transporte desses alimentos. Ou seja, gastamos MUITO petróleo e poluímos o
ambiente para transportar alimentos produzidos num local para beneficiar outros
consumidores longe dali. E mais, um estudo importante da New Economics
Foundation, em Londres, mostra que para cada real gasto localmente, gera-se
duas vezes mais renda para a economia do lugar; ou seja, comprando de
agricultores locais ou de pequenas lojas e mercados da região em vez de grandes
redes varejistas e importadoras; a economia desse local se fortalece. Essa é
uma ação política da compra de alimentos produzidos perto do consumidor. Então
além de ser orgânico, o alimento deve ser produzido perto do mercado consumidor.
Pense: se é
ambientalmente sustentável comprar um suco de frutas vermelhas orgânicas
produzido na África do Sul que gasta 12.000 km de energia petrolífera para
chegar à sua mesa?
As principais críticas feitas aos orgânicos são o preço elevado e a
impossibilidade de produção em grande escala. São mitos, ou realmente questões
incontornáveis?
Há certa verdade nisso,
mas são questões contornáveis. Na produção animal é realmente difícil conseguir
a produtividade que as granjas de porcos e galinhas e o confinamento de bovinos
conseguem à custa do sofrimento animal e da qualidade das carnes, ovos e
leites. Ai entraria outra discussão relacionada à necessidade de diminuir a
ingestão de proteína animal para o ser humano contemporâneo. Já na produção
vegetal, é possível equiparar a produtividade e há muitos estudos e casos sobre
isso em revistas especializadas da Agroecologia e Agricultura Orgânica.
Com relação ao preço,
este valor mais caro é algo relativo, já que os orgânicos efetivamente
proporcionam maior benefício à saúde. Não só à saúde humana, mas também à saúde
do meio ambiente, que, por tabela, também acaba refletindo na saúde humana.
Então esse adicional de preço justo – que deve ser justo, e não 100% a mais, ou
um preço especulativo – relaciona-se a um alimento de melhor qualidade. Todo e
qualquer produto melhor custa mais. A própria lei do mercado está implícita no
alimento também. O produto orgânico é mais caro porque tem melhor qualidade.
Mas, repito, não pode ser um preço abusivo que torne o alimento elitizado. Como
todo produto no mercado, o orgânico vai baratear se houver maior procura. E
comprando em feiras e cestas direto do agricultor é possível conseguir preços
de alimentos in natura bem próximos dos convencionais. Pra terminar fica uma
provocação a essa pergunta: no caso dos alimentos convencionais, que são mais
“baratos”: qual o real valor de um alimento barato que promove exclusão social
do agricultor familiar, causa doenças e ainda degrada o meio ambiente? É
preciso pensar de forma sustentável a médio e longo prazos. Pensando na sua
saúde, o que você economiza no seu prato, gasta na farmácia e no hospital.
Que dicas você daria para os consumidores que estão interessados em
melhorar a qualidade nutricional das suas dietas?
Comprem orgânicos, carnes
frescas, ovos "caipira" e alimentos da época provenientes de
agricultores da sua região. Busquem feiras "direto do agricultor",
compras solidárias, cooperativas de agricultores ecológicos na sua cidade.
Comam mais alimentos frescos, integrais, regionais e pouco processados.
Instigue a compra desses alimentos em escolas, restaurantes e mercados.
Procurem dedicar mais tempo para preparar iogurtes a partir de leites
pasteurizados e não esterilizados que serão adicionados de frutas frescas e
cereais integrais; procurem comprar ou fazer pães e bolos caseiros, manteiga em
vez de margarinas, compotas caseiras e sucos de frutas com açúcar integral....
Preocupem-se com a origem dos seus alimentos, leiam rótulos, questionem a
procedência do que vocês compram. E o mais importante: dediquem TEMPO para esse
ato de prazer cotidiano que pode se tornar-se um ato político e socioambiental.
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