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La Dolce Vita de Yoani Sánchez em Cuba

Por Salim Lamrani*, do Opera Mundi
Ao ler o blog da dissidente cubana Yoani Sánchez, é inevitável sentir empatia por esta jovem mulher, que expressa abertamente sua oposição ao governo de Havana. Descreve cenas cotidianas de privações e de penúrias de todo tipo. “Uma dessas cenas recorrentes é a de perseguir os alimentos e outros produtos básicos em meio ao desabastecimento crônico de nossos mercados”, escreve em seu blog Generación Y. De fato, a imagem que Yoani Sánchez apresenta dela mesma – uma mulher com aspecto frágil que luta contra o poder estatal e contra as dificuldades de ordem material – está muito longe da realidade. Com efeito, a dissidente cubana dispõe de um padrão de vida que quase nenhum outro cubano da ilha pode se permitir ter.
Mais de 6 mil dólares de renda
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que agrupa os grandes conglomerados midiáticos privados do continente, decidiu nomeá-la vice-presidente regional de sua Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação por Cuba. Sánchez, que como de costume, é tão expressiva em seu blog, manteve um silêncio hermético sobre seu novo cargo. Há uma razão para isso: sua remuneração. A oposicionista cubana dispõe agora de um salário de 6 mil dólares mensais, livres de impostos.
Trata-se de uma renda bastante alta, habitualmente reservada aos quadros superiores das nações mais ricas. Essa importância é ainda maior considerando que Yoani Sánchez reside em um país de Terceiro Mundo em que o Estado de bem-estar social está presente e onde a maioria dos preços dos produtos de necessidade básica está fortemente subsidiada.
Em Cuba, existe uma dupla circulação monetária: o CUC e o CUP. O CUC representa cerca de 0,80 dólares ou 25 CUP. Assim, com seu salário da SIP, Yoani Sánchez dispõe de uma renda equivalente a 4.800 CUC ou a 120.000 CUP.
O poder aquisitivo de Yoani
 Avaliemos agora o poder aquisitivo da dissidente cubana. Assim, com um salário semelhante, Sánchez poderia pagar, a escolher: - 300.000 passagens de ônibus;- 6.000 viagens de táxi por toda Havana;- 60.000 entradas para o cinema;- 24.000 entradas para o teatro;- 6.000 livros novos;- um número ilimitado de visitas ao médico, dentista, oftalmologista ou qualquer outro especialista da área de saúde, já que tais serviços são gratuitos; - um número ilimitado de inscrições a um curso de esporte, teatro, música ou outro (também gratuitos).
Essas cifras ilustram o verdadeiro padrão de vida de Yoani Sánchez em Cuba e dão uma ideia sobre a credibilidade da opositora cubana. Ao salário de 6 mil dólares pagos pela SIP, convém agregar a renda que cobra a cada mês do diário espanhol El País, do qual é correspondente em Cuba, assim como as somas coletadas desde 2007.
Com efeito, no período de alguns anos, Sánchez recebeu múltiplas distinções, todas financeiramente remuneradas. No total, a blogueira recebeu uma retribuição de 250.000 euros, ou seja, 312.500 CUC ou 7.812.500 CUP, quer dizer, uma importância equivalente a mais de 20 anos de salário mínimo em um país como a França, quinta potência mundial.
A dissidente, que primeiro emigrou à Suíça depois de optar por voltar a Cuba, é bastante sagaz para compreender que o fato de adotar um discurso a favor de uma mudança de regime agradaria aos poderosos interesses contrários ao governo e ao sistema cubanos. E eles, por sua vez, saberiam se mostrar generosos com ela e permitiriam gozar da dolce vita em Cuba.
* Salim Lamrani é doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne (Paris IV). Professor nas Universidades Paris-Sorbonne (Paris IV) e Paris-Est Marne-la-Vallée. Jornalista, especialista sobre relações entre Cuba e Estados Unidos.

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