Antonio
Gramsci jamais publicou um livro em vida. Sua condição de autor se deve aos
esforços sucessivos dos seus editores, particularmente aqueles que deram
publicidade aos famosos Cadernos do cárcere, escritos na prisão fascista entre
as décadas de 1920 e 1930. Considerado um “clássico da política” e um dos mais
profícuos pensadores do marxismo no século XX, o estudo de suas ideias passou
por muitas reformulações no curso de sua progressiva difusão desde o segundo
após-guerra.
Mesmo
com as conhecidas lacunas, a chamada “edição temática” (1948-1951) e, depois, a
consistente “edição crítica” dos Cadernos (1975) acabaram por fornecer
elementos essenciais para a construção de variadas interpretações a respeito de
seu pensamento. Para não falar da cuidadosíssima Edição Nacional, que ora
começa a ser publicada pela Fundação Instituto Gramsci e pelo Instituto da
Enciclopédia Italiana, por certo destinada a marcar uma nova etapa no exame da
totalidade dos escritos gramscianos.
Em
décadas de estudos e debates, Gramsci foi visto inicialmente como o “pensador
da cultura nacional-popular”, para em seguida alcançar o patamar de “teórico da
revolução nos países avançados do capitalismo”, de cuja obra se extraíam
conceitos que o tornaram um pensador assimilado em grande escala; entre tais
conceitos, alguns são justificadamente famosos, como hegemonia, intelectual
orgânico e Estado ampliado.
Recentemente,
a partir de uma “historicização integral” do personagem, aliada à recepção e ao
tratamento de fontes inéditas ou até ignoradas, vem emergindo uma nova inserção
de Gramsci na política do século XX. Referida aos dramáticos acontecimentos que
abarcam a chamada “grande guerra civil europeia” (1914-1945), essa perspectiva
analítica tem permitido a superação dos diversos enigmas que marcaram por
longos anos os estudos gramscianos, originados da fratura entre sua vida e seu
pensamento.
Vida
e pensamento de Gramsci, de Giuseppe Vacca, segue essa pista. O resultado é a
construção da primeira biografia política de Antonio Gramsci desde a prisão até
sua morte. O livro de Vacca supera, efetivamente, a cisão entre trajetória
pessoal e reflexão teórica, ao trabalhar a um só tempo os dramas individuais e
os dilemas políticos daquele prisioneiro especial do fascismo, cercado e
atormentado pela angústia de ter sido “esquecido” pela mulher e “posto de lado”
politicamente, o que aumentava suas suspeitas de que a direção do PCI havia
sabotado sua libertação.
Vida
e pensamento de Gramsci parte de um pressuposto: antes e depois de sua
detenção, Gramsci foi um combatente, um homem de ação, um dirigente político.
Nas circunstâncias da prisão, tudo que Gramsci escreveu, de suas anotações nos
Cadernos à correspondência com familiares e amigos, indica que ele permaneceu
atuando como um dirigente. Nessa condição, por meio de um exercício
extraordinário de codificação da linguagem, que demandou uma investigação
detalhada, Gramsci procurava fazer chegar à direção do PCI, em especial a
Palmiro Togliatti, suas avaliações do cenário italiano e mundial, bem como seus
questionamentos de algumas orientações do PCI que lhe pareciam equivocadas. É
desse permanente comprometimento que vão emergir os termos da “teoria nova”
que, inúmeras vezes e incansavelmente, ele próprio anota e reescreve nas folhas
dos cadernos escolares que pôde usar na prisão.
Nos
Cadernos do Cárcere vai se sedimentando um novo pensamento com o qual Gramsci,
uma vez livre, se propunha lutar para mudar as orientações do movimento
comunista. Do texto de Gramsci surge uma revisão profunda do bolchevismo,
sobretudo em relação à concepção do Estado, à análise da situação mundial, à
teoria das crises e à doutrina da guerra. Vacca sugere, com audácia teórica,
que a formulação que revelaria definitivamente essa ultrapassagem estaria na
proposição de luta pela conquista de uma Assembleia Constituinte contra o
fascismo, desde 1929.
Essa
proposta expressaria um ponto de ruptura, já que, a partir dela, Gramsci
passaria a delinear sua visão da política como luta pela hegemonia, o que, em
termos objetivos, representaria, na conjuntura dos primeiros anos da década de
1930, a adoção de um programa reformista de combate ao fascismo. Nesse sentido,
a luta imediata do PCI não deveria estar baseada na preparação da revolução
proletária, mas na conquista da Constituinte. Esta significaria a possibilidade
de reconstrução da nação italiana e deveria ser, para Gramsci, o núcleo da nova
orientação dos comunistas italianos: em outras palavras, a luta pela
democracia, cujo estatuto deixava de ser progressivamente o de mera fase de
transição para o socialismo.
Vida
e pensamento de Gramsci carrega a marca do ineditismo e da inovação em muitas
dimensões. Os resultados não são de pouca monta. O Gramsci que daqui emerge foi
composto a partir de uma investigação histórica que acabou por estabelecer a
passagem, traçada por Gramsci de forma pioneira, desde o bolchevismo até uma
estratégia de ação com marcas claramente democráticas e reformistas. Localizar
criticamente Gramsci na história do seu tempo permitiu essa grande descoberta.
ALBERTO AGGIO, Professor titular de história da
Unesp/Franca.
Neste mais recente e estimulante livro de Giuseppe Vacca – presidente da prestigiosa Fundação Instituto Gramsci, de Roma –, o estudo da vida e do pensamento de Antonio Gramsci resulta de um longo trabalho de pesquisa, fundado em documentos muitas vezes inéditos sobre sua biografia, desde a prisão pelo fascismo até a morte, e o destino de seu legado intelectual: os Cadernos do cárcere.
A trajetória de
Gramsci nos últimos dez anos de vida é reconstruída de forma dinâmica,
entrelaçando diferentes dimensões de seus confrontos com o mundo político,
afetivo, intelectual e, essencialmente, focalizando seu projeto de liberdade,
jamais conseguido.
A interlocução entre
as Cartas e os Cadernos do cárcere, à luz de documentos surpreendentes, abre um
caminho inovador para compreender as vicissitudes percorridas por um homem como
Gramsci, grandioso na coragem de enfrentar, mesmo do cárcere, dois ícones da
repressão à liberdade: Mussolini e Stalin. O tratamento sistemático dos temas
da vida de Gramsci aqui exposto torna-se doravante uma referência obrigatória
para quaisquer futuras investigações.
ROSEMARY DORE, Professora da Faculdade de Educação da UFMG.
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