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"Com leilões do petróleo, governo retoma a agenda neoliberal"

Por Leonardo Wexell Severo,
Nesta entrevista, o coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antonio Moraes, fala da luta da categoria pela soberania nacional, por Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e melhores condições de trabalho. Ele denuncia, ainda, a ação da mídia em prol dos interesses neoliberais e privatistas, e alerta para o risco dos leilões e a irracionalidade da lógica da direção da Petrobras e do governo de exportar o óleo cru, que não agrega valor, em detrimento da indústria nacional. Ecoando as palavras do presidente Lula de que “o pré-sal é um bilhete premiado”, Moraes sublinha a importância estratégica do controle destas imensas riquezas para o nosso desenvolvimento e para a própria soberania nacional. “Enquanto a cada quatro poços perfurados no mundo, três são secos, no pré-sal a cada dez poços perfurados, oito tem petróleo. Hoje já estamos produzindo 200 mil barris diários da Petrobras na área do pré-sal, o que equivale a 10% da produção total. Isso comprova que é mesmo um bilhete premiado. Colocar uma riqueza destas, numa área sem risco, à disposição de empresas estrangeiras privadas não tem nenhum sentido”, afirma.
Confira a entrevista.

Qual a sua avaliação do movimento de greve nacional dos petroleiros realizado na última segunda-feira (28)?
João Antonio Moraes: O movimento foi bastante expressivo, com a categoria respondendo de maneira contundente ao chamado da Federação Única dos Petroleiros (FUP). Até mesmo as direções divisionistas, aquelas que costumeiramente nos atacam, reconheceram a liderança nacional da federação. A mobilização deixou um saldo muito positivo e deu ainda mais energia ao Conselho Deliberativo da FUP, que se reuniu, na última quarta e quinta-feira (30 e 31), para intensificar a mobilização rumo à greve nacional por tempo determinado, de 20 a 24 de fevereiro. É profundamente lamentável o fato de a direção da Petrobras não se dignar a receber os petroleiros para debater o montante da Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Não aceitamos que a empresa mantenha os dividendos dos acionistas no mesmo patamar e, ao mesmo tempo, proponha reduzir em mais de 50% a PLR da categoria.
A direção da Petrobrás colheu um resultado negativo e decidiu manter intocada a fatia dos acionistas arrochando a PLR dos trabalhadores?
É, isso ocorreu, o que nos causa espanto. Afinal, a redução dos lucros é um fator causado pelos acionistas ou pelos gestores indicados por eles. Não há razão para culpar o mundo do trabalho por decisões equivocadas pelas quais os trabalhadores não foram sequer consultados. Aliás, nós vínhamos alertando para os problemas e apontando soluções. Não fomos ouvidos.
Que tipo de problemas?
Um dos fatores que contribuíram para o resultado negativo obtido pela Petrobras foi o fato de as plataformas terem sido interditadas pelas condições precárias de trabalho existentes, algo que já havia sido alertado pelo Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense e pela própria FUP. Portanto, a categoria foi vítima dos acionistas responsáveis pelos problemas, mas que tiveram seus interesses preservados. Os trabalhadores foram prejudicados e estão sendo penalizados para beneficiar quem errou e isso é completamente inaceitável.
Com o eufemismo “concessão”, o governo está preparando uma enxurrada de privatizações. O próprio ministro Mantega declarou que fará um “road show” mundo afora para ofertar o patrimônio público com financiamento do BNDES. Como a FUP vê isso?
Considero que todo esse processo iniciado com a privatização dos aeroportos no ano passado é uma grave concessão do atual governo aos conservadores, que aplaudem, obviamente, a retomada da agenda neoliberal. Para nós, este retrocesso é um profundo equívoco, sob vários aspectos. O primeiro deles é a agenda neoliberal, que é um completo fiasco, mesmo sob a ótica do capitalismo, haja visto o que está ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos. Consideramos os aeroportos, assim como o setor energético, uma questão de soberania nacional, estratégica para o nosso desenvolvimento. Colocar à disposição das empresas transnacionais recursos naturais escassos não tem justificativa. Se a intenção é o diálogo com as forças conservadoras, é mais do que um engano, pois quanto mais tiverem, mais concessões obtiverem, mais vão querer. O fato é que eles não arredam pé do seu projeto e querem acumular forças para derrotar o projeto popular e democrático em curso. Para isso mobilizam todos os seus instrumentos, utilizando a mídia para pautar o debate em função dos interesses da reação conservadora.
E o que dizer do pré-sal?
Como disse o presidente Lula, sempre tão criticado por essa mesma imprensa, o pré-sal é um bilhete premiado. Enquanto a cada quatro poços perfurados no mundo, três são secos, no pré-sal a cada dez poços perfurados, oito têm petróleo. Hoje já estamos produzindo 200 mil barris diários da Petrobras na área do pré-sal, o que equivale a 10% da produção total. Isso comprova que é mesmo um bilhete premiado. Colocar uma riqueza destas, numa área sem risco, à disposição de empresas estrangeiras privadas não tem nenhum sentido. É importante ressaltar que as guerras contra o Iraque e a Líbia foram feitas pelo petróleo, que é um patrimônio estratégico que precisa estar sob controle do nosso povo e não de empresas estrangeiras. Vale lembrar que a Lei da Partilha permite ao Estado convocar diretamente a Petrobras, sem fazer nenhum leilão. Para a FUP, este é o caminho. Defendemos o interesse nacional, público, que é o oposto da lógica de produzir a qualquer custo, como está propondo a direção da empresa e o governo. Acreditamos que é preciso calibrar a extração com a capacidade da nossa indústria processar o petróleo, em vez de exportar o óleo cru, que não agrega valor. Além do mais, a atual redução do consumo de energia nos Estados Unidos e a descoberta do gás de xisto naquele país poderão fazer a arrecadação ser pífia, o que é um novo argumento para que o governo reflita, pois aponta que não é o momento para leilões.
A FUP crê que o protagonismo dos movimentos sociais possa jogar papel decisivo para pressionar o governo a não adotar a pauta do retrocesso?
Acho que, independentemente de sensibilizar ou não o governo, o papel do movimento social é apresentar propostas e fazer críticas. Vejamos o caso da desoneração, onde muitos dos empresários beneficiados continuaram demitindo trabalhadores e arrochando salários para aumentar a sua taxa de lucro, e que acabou também prejudicando enormemente a Previdência. Diferente disso, estudos mostram que cada real investido no Bolsa Família retorna diretamente para a economia, beneficiando o conjunto da população. Já o dinheiro da desoneração corre o risco de virar iate ou mansão em Miami. Outro exemplo: se em vez de capitalizar empresas estrangeiras, o BNDES tivesse colocado o dinheiro na mão da Infraero, o resultado seria mais rápido, melhor e ainda teríamos um patrimônio sob o controle do povo. Com a nova administração estrangeira, o aeroporto de Brasília deixou de ser da Infraero e passa a ser da InfroAmérica. Para o bem do país e do povo brasileiro, é preciso que o governo retome o protagonismo do Estado em função do interesse público. Esta é a luta dos petroleiros do Brasil que estarão se somando à CUT e às demais centrais na Marcha da Classe Trabalhadora no dia 6 de março em Brasília (DF).

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