Por Eduardo Galeano
Um país bombardeia dois países. A impunidade poderia ser assombrosa, se não fosse costumeira. Alguns tímidos protestos dizem que houve erros. Até quanto os horrores continuarão sendo chamados de erros?
Um país bombardeia dois países. A impunidade poderia ser assombrosa, se não fosse costumeira. Alguns tímidos protestos dizem que houve erros. Até quanto os horrores continuarão sendo chamados de erros?
Esta carnificina de
civis começou a partir do seqüestro de um soldado. Até quando o seqüestro de um
soldado israelense poderá justificar o seqüestro da soberania palestina?
Até quando o
seqüestro de dois soldados israelenses poderá justificar o seqüestro de todo o
Líbano?
E os 700 soldados
libaneses que, desde que Israel foi expulso do Líbano em 2000, foram levados
prisioneiros para Israel? Porque Israel nunca aceitou trocar prisioneiros de
guerra?
A caça aos judeus
foi, durante séculos, o esporte preferido dos europeus. Em Auschwitz desembocou
um antigo rio de espantos, que havia atravessado toda a Europa. Até quando
palestinos e outros árabes continuarão pagando por crimes que não cometeram?
O Hezbollah não
existia quando Israel arrasou o Líbano em suas invasões anteriores. Até quando
continuaremos acreditando no conto do agressor agredido, que pratica o
terrorismo profissional de Estado porque tem direito de se defender do
"terrorismo" civil amador?
Iraque,
Afeganistão, Palestina, Líbano...
Até quando se
poderá continuar exterminando países impunemente?
As torturas de Abu
Ghraib, que despertaram certo mal-estar universal, nada têm de novo para nós,
os latino-americanos. Nossos militares aprenderam essas técnicas de
interrogatório na Escola das Américas, que agora perdeu o nome, mas não as
manhas.
Até quando
continuaremos aceitando que a tortura continue legitimando, como fez o Supremo
Tribunal de Israel, em nome da legítima defesa da pátria?
Israel deixou de
ouvir 46 recomendações da Assembléia Geral e de outros organismos das Nações
Unidas.
Até quando o
governo israelense continuará exercendo o privilégio de ser surdo?
As Nações Unidas
recomendam, mas não decidem. Quando decidem, a Casa Branca impede que decidam,
porque tem direito de veto. A Casa Branca vetou, no Conselho de Segurança, 40
resoluções que condenavam Israel.
Até quando as
Nações Unidas continuarão atuando como se fossem outro nome dos Estados Unidos?
Desde que os
palestinos foram desalojados de suas casas e despojados de suas terras, muito
sangue correu.
Até quando
continuará correndo sangue para que a força justifique o que o direito nega?
A história se
repete, dia após dia, ano após ano, e um israelense morre para cada 10 árabes
que morrem.
Até quando a vida
de cada israelense continuará valendo 10 vezes mais?
Em proporção à
população, os 50 mil civis, em sua maioria mulheres e crianças, mortos no
Iraque equivalem a 800 mil norte-americanos.
Até quando continuaremos
aceitando, como se fosse costume, a matança de iraquianos, em uma guerra cega
que esqueceu seus pretextos?
Até quando
continuará sendo normal que os vivos e os mortos sejam de primeira, segunda,
terceira ou quarta categoria?
O Irã está
desenvolvendo a energia nuclear? Bem, se está, é um direito seu, como de
qualquer país que deseje acesso à modernidade científica. Argentina, Brasil,
México e mais 60 países, no mínimo, estão tentando isso - sob boicote da meia
dúzia de potências que não aceitam perder esse monopólio.
O Irã está também
tentando desenvolver energia nuclear para uso militar, como fizeram há mais de
meio século os EUA, Inglaterra, França, Rússia, China, Índia, Paquistão e
Israel? Ninguém sabe ao certo, pairam no ar somente acusações veiculadas pelos
EUA, nenhuma prova, ao menos até agora.
Mas até quando
continuaremos acreditando que isso basta para provar que um país é um perigo
para a humanidade? Pois a chamada comunidade internacional não se angustia em
nada com o fato, reconhecido unanimente por todos os institutos ocidentais de
estratégia militar, de que Israel já produziu e tem estocadas 250 bombas
atômicas, embora seja um país que vive à beira de um ataque de nervos.
Quem maneja o
perigosímetro universal? Terá sido o Irã o país que lançou as bombas atômicas
em Hiroxima e Nagasaki?
Na era da
globalização, o direito de pressão pode mais do que o direito de expressão.
Para justificar a
ocupação ilegal de terras palestinas, a guerra se chama paz. Os israelenses são
patriotas e os palestinos são terroristas, e os terroristas semeiam o alarme
universal.
Até quando os meios
de comunicação continuarão sendo medos de comunicação?
Esta matança de
agora, que não é a primeira nem será - temo - a última, ocorre em silêncio? O
mundo está mudo, está surdo?
Até quando seguirão
soando em sinos de madeira as vozes da indignação?
Até quanto nos
conformaremos com essa linguagem infame da grande mídia que, simulando
"objetividade" jornalística, nos informa sobre um combate nesta
linguagem: tantos "terroristas" do Hisbollah foram aniquilados pelas
forças "de defesa" de Israel.
Teremos todos nós
nos transformados em estúpidos, a ponto de não percebermos que a forma da
linguagem determina o conteúdo da "notícia”?
Estes bombardeios
matam crianças: mais de um terço das vítimas, não menos da metade. Os que se
atrevem a denunciar isto são acusados de anti-semitismo.
Até quando
continuarão sendo anti-semitas os críticos dos crimes do terrorismo de Estado?
Até quando
aceitaremos esta extorsão?
São anti-semitas os
judeus horrorizados pelo que se faz em seu nome?
São anti-semitas os
árabes, tão semitas como os judeus? Por acaso não há vozes árabes que defendem
a pátria palestina e repudiam o manicômio fundamentalista?
Todos agem em nome
de Deus, seja o Deus cristão, o Alá muçulmano ou o vingativo e momentaneamente
triunfante Jeová judeu.
Como radical
humanista que sou, nada quero com qualquer desses deuses nacionalistas e
odiosos. O que não me impede de discernir que, em cada momento há um
"deus" dos oprimidos e outro dos opressores.
Somos a única
espécie animal especializada no extermínio mútuo. Destinamos US$ 2,5 bilhões, a
cada dia, para os gastos militares, uma atividade econômica extremamente
lucrativa aos capitalistas que a ela se dedicam.
A miséria e a
guerra são filhas do mesmo pai: como todos os deuses cruéis, come os vivos e os
mortos.
Até quanto
continuaremos aceitando que este mundo enamorado da morte é nosso único mundo
possível?
Até quando
prolongaremos nossa postura cínica de "neutralidade", de não
"tomar partido" ?
É o oprimido,
malgrado seja um idiota fundamentalista religioso, igual ao fundamentalista
opressor? São moralmente o mesmo? Que se matem entre si, é isso? Não temos
mesmo de tomar partido?
Eduardo Galeano, escritor e
jornalista uruguaio, autor de As veias abertas da América Latina e Memórias do
Fogo e outros mais que merecem uma lida
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