O texto abaixo reflete um movimento espontâneo,
natural, de desistência pacifica do modo de vida moderno, de cansaço em relação
à sociedade de consumo e o excesso de competição.
Tenho muita esperança em relação a este movimento
pacifico, esta é uma das alternativas ao neoliberalismo que tanto se discute
aqui no blog (Envolverde).
Quando da discussão aqui no blog do direito de se
educar os filhos em casa, me posicionei a favor deste direito orientado pelo
mesmo cansaço, alguns não entenderam, acham que somos obrigados a permanecer
nesta sociedade devido a um “acordo” que se traduz em lei. (Rodolfo Machado)
Por Marcela
Valente
Mudar-se para uma ecoaldeia “não se trata de voltar à
época do garrote, mas de recuperar a capacidade de tomar as próprias decisões”.
Quase despercebidos, assentamentos sustentáveis que
integram vida comunitária e preservação dos recursos naturais se multiplicam na
Argentina como alternativa ao consumismo desenfreado. Laboratórios de vida em
estreito contato com a natureza, as aldeias ecológicas com hortas comuns se
expandem nas províncias de Buenos Aires, Santa Fé e Misiones (leste e
nordeste), Córdoba (centro-norte), Catamarca (noroeste), San Luis (oeste), Rio
Negro (sul) e inclusive na capital.
Algumas nascem como projetos familiares que se
consolidam e servem de núcleo para a formação de uma vila. Outras surgem como
ideia coletiva de amigos que compartilham uma mesma visão do mundo. “É um pouco
de recuperar a liberdade”, define Tania Giuliani, uma bióloga com mestrado em
desenvolvimento sustentável que participa da criação de uma aldeia ecológica em
uma Ilha do Tigre, no trecho final do delta do Rio Paraná, a nordeste da
capital argentina. Giuliani mantém um cargo docente em Buenos Aires, mas já se
despediu de seu apartamento na cidade, para acelerar os trabalhos de construção
de sua casa na ilha, feita com materiais locais, em harmonia com a paisagem de
terras úmidas.
No projeto i-tekoa (aldeia de água, na língua guarani)
participam, além de Giuliani, outros sete amigos que aceitaram o desafio.
Planejam construir as oito casas e um centro comunitário onde realizarão
oficinas sobre arte, horta e permacultura. A permacultura – que pode ser
entendida como a contração de “permanente agricultura” ou de “permanente
cultura” – surgiu na década de 1970 na Austrália. Segundo Carlos Straub
explicou ao Terramérica, “trata-se de criar modelos de desenvolvimento
sustentável onde o ser humano possa viver em harmonia com a natureza”.
Straub foi um dos pioneiros da permacultura na
Argentina nos anos 1990, junto com os fundadores de Gaia, a primeira vila
ecológica do país que funciona desde 1996 na localidade de Navarro, província
de Buenos Aires. Além de compreender moradias construídas com materiais
naturais, em Gaia funciona o Instituto Argentino de Permacultura, que realiza
oficinas de capacitação para os interessados em reproduzir esta experiência. Os
participantes aprendem os princípios da cozinha natural, horta ecológica,
produção de sementes, construção natural, energias renováveis e alternativas de
saneamento sustentáveis e de vida comunitária. Gaia é parte da Rede Mundial de
Ecoaldeias (GEN) que vincula milhares de iniciativas deste tipo.
Straub coordena agora o Centro de Pesquisa,
Desenvolvimento e Ensino da Permacultura (Cidep), em uma chácara a 15
quilômetros de El Bolsón, Rio Negro, na Patagônia. Junto à sede do Cidep, que
realiza oficinas desde 2004, está sendo erguida outra aldeia ecológica para 20
famílias. Enquanto é construída, oito pessoas vivem em instalações do Centro.
Além disso, Straub dá aula em comunidades da Patagônia Argentina e Chile. “Há
um movimento muito grande de gente que está emigrando das cidades e compra
terrenos com outras pessoas para iniciar esta experiência”, contou.
Antes de se lançar ao projeto i-tekoa, Giuliani viveu
em uma ecoaldeia na Nova Zelândia. Para ela, o capitalismo impõe um estilo de
vida individualista, consumista e antinatural, do qual cada vez mais pessoas
buscam escapar. “Uma pessoa leva uma vida solitária e materialista, para
retornar a um apartamento e ter de comprar alimentos com produtos químicos”,
disse ao Terramérica. Junto com amigos tão descontentes quanto ela com seu
estilo de vida, Giuliani comprou a área e está construindo as casas e um centro
comunitário.
As obras são realizadas sem aterrar nem drenar o
terreno que é pantanoso, para respeitar a função purificadora do mangue. As
árvores de espécies introduzidas são cortadas e sua madeira é usada na
construção das casas. Em seu lugar são plantadas espécies nativas. Para o
saneamento, estão examinando se usam banheiros secos ou um biodigestor. “Viver
somente da natureza nos parece um pouco utópico. A ideia é viver da horta e dos
oficinas que daremos no centro e, aos poucos, ir soltando os trabalhos que
temos na cidade, na medida do possível”, explicou Giuliani.
Para Straub, a tendência se multiplica como reação a um
estilo de vida esgotado. “Busca-se uma vida mais tranquila, na qual se possa
realizar velhos sonhos sem esperar a aposentadoria”, enfatizou. “Não se trata
de voltar ao primitivismo ou à época do garrote, mas de recuperar a capacidade
de tomar as próprias decisões. A ecoaldeia pode não ser a solução para todos,
mas o projeto ajuda a recuperar uma visão mais humana da vida”, opinou Straub.
Trata-se de “transformar o olhar. O milagre deve ocorrer dentro de nós, e com
esse caminho pode-se viver na ecoaldeia ou voltar à cidade, mas já não
submetido às condições do sistema”, ressaltou.
Ele mesmo não vive no Cidep, mas em El Bolsón, a 15
quilômetros da vila. Não está certo de querer viver ali, mas acredita que pode
ser parte do processo como produtor de sementes. O interessante, disse, é que
cada vez mais pessoas se animam a viver esse processo. “Em Gaia, quando
comecei, éramos 15 ou 20, e há pouco tempo participei de um encontro em que
éramos 500 os que se somaram à experiência”, comemorou.
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