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O segredo da Suécia



Enviado por luisnassif,
18/05/2011


Do Valor


Com rigor fiscal e inovação, Suécia propõe novo modelo


Humberto Saccomandi
De Brasília


Numa Europa atormentada pela crise financeira, a Suécia parece uma ilha da fantasia, com suas contas em ordem e forte crescimento. O segredo, relata o primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt, é manter o país em constante e acelerada transformação, para se adaptar aos novos desafios globais. Além, claro, de uma rigorosa disciplina fiscal. "A Suécia fez a sua lição de casa."


Reinfeldt é duro com os países em crise na Europa. Diz que eles simplesmente não fizeram as reformas estruturais necessárias e sabidas. E/ou lidaram mal com a crise bancária. Mas isso não implica recusar mais ajuda a esses países. Pelo contrário, é do interesse da Europa socorrer os mais fracos. "Nós não damos dinheiro. Nós emprestamos", disse o premiê.


Líder do Partido Moderado, o economista Reinfeldt, de 46 anos, conseguiu uma proeza na Suécia: foi o primeiro premiê conservador que se reelegeu no pós-guerra. Para isso, ele liderou uma guinada para o centro e mesclou a disciplina fiscal com dois dogmas do tradicional modelo sueco social-democrata: a elevada taxação e a manutenção do Estado do bem-estar social. Com isso, diz ele, o eleitor de baixa renda agora poder votar na direita.


Reinfeldt esteve ontem com a presidente Dilma Rousseff, em Brasília, dando prosseguimento à Parceria Estratégica entre os dois países. Hoje ele participa, em São Paulo, de uma rodada de negócios na Fiesp focada em economia verde, um dos pontos fortes da inovadora economia sueca.


Em Brasília, Reinfeldt concedeu a seguinte entrevista ao Valor:



Valor: O que o sr. espera dessa visita e da parceria estratégica com o Brasil?


Fredrik Reinfeldt: Primeiro, eu vim com um amplo grupo de grandes empresas suecas e esperamos participar desse rápido crescimento que o Brasil está tendo. Isso interessa às nossas empresas, e acho que elas estão bem posicionadas para oferecer coisas de que o Brasil precisa.


O Brasil também está emergindo como uma potência mundial neste mundo multipolar, e isso nos interessa, pois temos visões em comum em muitos aspectos, como direitos humanos, multilateralismo e sustentabilidade.


Valor: O que o sr. dirá à presidente Dilma Rousseff sobre o Gripen [avião que concorre na licitação da FAB]? Por que o Brasil deveria comprar um caça sueco?


Reinfeldt: É uma boa proposta. O avião é mais barato que os demais e é de ótima qualidade. No fundo, é isso o que vocês precisam: não muito caro, alta qualidade e ser independentes.


Além disso, estamos fazendo outros esforços. A presença da indústria sueca no Brasil é muito forte, estamos aqui há mais de cem anos. Há mais de 220 subsidiárias de empresas suecas no Brasil. Claro que isso é parte das discussões e estamos colocando outras coisas.


Valor: Que coisas?


Reinfeldt: Acho que vocês querem que compremos outras coisas que são feitas no Brasil e que o avião seja construído no Brasil, gerando empregos aqui. Vou mencionar isso e esperamos uma boa decisão da presidente Dilma.


Valor: A Suécia tem o principal programa de uso de etanol como combustível automotivo da Europa. Ele é um sucesso?


Reinfeldt: Depende de para quem você perguntar. Encontrar soluções renováveis é parte dos nossos esforços, pois estamos priorizando deixar os combustíveis fósseis. E avançamos muito nisso. Já cortamos pela metade nosso consumo de combustíveis fósseis e petróleo em relação a meados dos anos 70. E o etanol é parte disso. Eu mesmo tenho um carro a etanol. Acho ainda que é muito importante que nós sejamos abertos a comprar etanol do Brasil. Em toda a parte há essa pressão para comprar internamente ou comprar de lugares mais próximos, o que com frequência não é bom para o clima, pois é mais caro e não é produzido num ambiente mais eficiente, como aqui no Brasil.


Valor: Como o sr. reage às críticas de que o uso do etanol ajuda a aumentar o preço dos alimentos?


Reinfeldt: Ainda temos muita terra no mundo que não é usada ou que poderia ser usada de um modo mais produtivo. Acho que, se começarmos por aí, podemos ter tanto produção para etanol como para alimentos. E, se não tivermos o etanol, quais são as opções? Acabamos tendo de voltar aos combustíveis fósseis. Acho que podemos ter ambos, etanol e alimentos. Conversei com o presidente Lula sobre isso e sei que essa é também a posição do governo brasileiro.


Valor: Um dos pontos da Parceria Estratégica é o apoio a reformas nas instituições multilaterais. A Suécia poderia apoiar um não europeu para dirigir o FMI?


Reinfeldt: Essa discussão deverá ocorrer. Acho que devemos refletir melhor o novo mundo de hoje. Sei que o velho arranjo de que o chefe do Banco Mundial venha dos EUA, e o do FMI, da Europa poderia ser discutido. A indicação de candidatos deveria ser mais aberta, até para encontrarmos a pessoa mais adequada. Sim, acho que deveremos ter essa discussão quando chegar a hora de indicar um novo diretor para o FMI.


Valor: A Suécia tem uma dívida baixa, um orçamento equilibrado e crescimento forte. Qual é o segredo?


Reinfeldt: Em primeiro lugar, tivemos uma recuperação do nosso comércio. E acho que fizemos muitas coisas certas durante a crise financeira. Nós não cobrimos perdas dos bancos, não adotamos pacotes de estímulo que em geral têm impacto muito ineficiente, como fizeram muitos países. Nós adotamos medidas pontuais para sustentar a demanda interna e setores intensivos em trabalho. Como não gastamos muitos recursos, mantivemos as nossas finanças públicas em ordem. As perdas de empregos que tivemos foram rapidamente compensadas.


Acho que aprendemos, com a nossa própria crise bancária no começo dos anos 90, como controlar o setor bancário, dando mais transparência. Talvez por isso estávamos mais bem preparados do que outros países. Se você lidar de modo errado com uma crise bancária, facilmente acabará dobrando a dívida pública. É muito importante como você lida com seus bancos durante uma crise.


Valor: Por que alguns países europeus estão crescendo enquanto outros estão ficando para trás?


Reinfeldt: Eu acompanho a União Europeia há mais de uma década. Nesse período, nós discutimos uma série de reformas que os países europeus precisavam fazer. E muitos países simplesmente não fizeram essas reformas.


Valor: Que tipo de reformas?


Reinfeldt: Reformas estruturais, como do mercado de trabalho: incentivar os jovens a entrar rapidamente no mercado de trabalho e pessoas idosas a permanecer trabalhando, cortar os custos de burocracia para as empresas, reformar o sistema de bem-estar social para pressionar as pessoas que estão recebendo seguro-desemprego a voltar logo ao trabalho. Nós fizemos tudo isso na Suécia. Outros países preferiram não fazer nada. Mantiveram sistemas de aposentadoria que permitem às pessoas se aposentar aos 50 anos. Isso custa. Ao final, há pouca gente trabalhando, contribuindo, e muita gente querendo receber benefícios pagos com o dinheiro dos contribuintes.


A Suécia tem ainda uma tradição de livre comércio, estamos acostumados a lidar com a competição internacional, estamos presentes em muitas partes do mundo. Outros países são mais fechados, mais focados internamente, não tão engajados no comércio como a Suécia. Isso agora agrava os problemas derivados da crise financeira. E ajuda a explicar porque temos muitos países com problemas na Europa.


Valor: Há uma insatisfação em alguns países europeus em relação à ajuda financeira aos países em crise. Por que os países ricos da Europa estão relutando em ajudar os países mais pobres?


Reinfeldt: Para ser honesto, isso me intriga também. Vi isso recentemente na Finlândia, onde se dizia "por que temos de dar dinheiro a esses países?". Mas a verdade é que nós não damos dinheiro, nós emprestamos. E sob condições que na verdade são muito boas para os países que emprestam o dinheiro.


Nós participamos do pacote de ajuda à Letônia, e eles acabaram nem utilizando todos os recursos à disposição. O que esses países precisam é de um apoio para que se sintam mais seguros, para que possam reduzir os gastos com juros da dívida. Assim, a ajuda é um bom ato de solidariedade que não joga os custos para os contribuintes do seu país. Por isso me intriga [a posição de alguns países]. Vemos isso na Alemanha.


Além disso, é do nosso interesse não ter problemas na Grécia, por exemplo, pois isso afetaria o sistema bancário de outros países da região. É do nosso interesse ajudar esses países em crise a sair da situação em que estão. Isso é bom para a Europa, é bom para os países que estão com problemas e é bom para os países que emprestam dinheiro sob condições de mercado.


Valor: Há hoje um forte sentimento anti-imigração na Europa. Por quê? O sr. percebe isso na Suécia.


Reinfeldt: Concordo. Na Europa hoje há uma tendência de ascensão, em eleições, de partidos e movimentos que culpam os estrangeiros pelos problemas que temos. Há sinais de racismo contra pessoas de diferentes etnias ou religiões. O fato de elas serem diferentes as excluem do que eu quero no meu bairro.


A Suécia é bem diferente. Não que não tenhamos esses problemas. Na verdade, um partido xenófobo entrou no Parlamento nas últimas eleições, com 5% dos votos, mas em muitos outros países esses partidos têm 15%. Não estou neglicenciando o fato de que temos isso na Suécia. Mas é importante dizer que a Suécia é um dos poucos países que estão indo na direção oposta, ao dizer que precisamos nos abrir. Aprovamos uma lei no ano passado que permite que pessoas de países vizinhos da Europa entrem na Suécia para trabalhar. Isso não era permitido antes.


Queremos manter nossa política de imigração aberta pois precisamos disso para o futuro. A nossa população está envelhecendo. Outras países europeus enfrentam esse problema, e não sei como pensam em resolvê-lo se eles fecharem suas fronteiras. Não nascem muitas crianças na Europa, então precisamos de imigrantes.


A Suécia é um país multiétnico, temos gente de todas as grandes religiões mundiais vivendo lado a lado. Mostramos que podemos fazer isso com tolerância e respeitando uns aos outros. Tem 400 mil muçulmanos na Suécia [numa população total de 9,2 milhões]. Temos judeus, católicos. Acho que os suecos gostam disso. Uma sociedade multiétnica é uma sociedade que estimula, que cria uma atmosfera muito aberta, muito criativa. Eu quero manter isso. Por isso, não negociamos com o partido xenófobo na Suécia. Outros governos na Europa deram a eles alguma influência. Eu preferi fazer o oposto: fiz um acordo com o Partido Verde, que é exatamente o oposto.


Valor: O seu país está no topo de vários rankings internacionais de desenvolvimento social e econômico. É fácil ser primeiro-ministro da Suécia?


Reinfeldt: [risos] Estamos numa situação melhor que a maioria dos outros países. Temos uma economia forte, crescimento bom, somos os primeiros no ranking de inovação do Fórum Econômico Mundial. Mas, para isso, fizemos a nossa lição de casa. Estou na política há 20 anos, e nós fomos um país em constante e rápida transformação nesses 20 anos. Isso deu resultados. Não somos um país parado, estamos constantemente mudando, nos adaptando aos novos desafios mundiais. Acho que, se não tivéssemos feito isso, não estaríamos na posição que estamos hoje.


Continuar a transformar um país, aprovar reformas, é fácil de fazer na teoria, mas é difícil ganhar eleições com isso. Meus críticos com frequência me dizem: "não faça isso, voltemos para onde estávamos antes". Eles questionam quase que todas as reformas que fazemos.


Valor: O sr. levou o seu partido da direita para o centro e conseguiu se eleger e reeleger. Para isso, o sr. aceitou as políticas de elevada taxação e do Estado de bem-estar social, dois legados da social-democracia sueca. Esse é o perfil da nova direita?


Reinfeldt: É definitivamente uma nova direita para a Suécia. O princípio básico para pequenas economias abertas, como a sueca, é ter as finanças públicas em ordem. Não podemos ter a carga fiscal dos EUA e os altos custos da Europa. Isso é impossível, e você tem de escolher. Eu acredito que temos de ter altos níveis de custos para altas ambições em termos de bem-estar social. Para isso, precisamos de impostos, para manter as contas em ordem. Se não fizermos isso, as forças de mercado vão pressionar enormemente a sua economia.


Levou uns 20 anos para sairmos da situação de crise que tínhamos no começo dos anos 90. Eu gostaria de ter impostos menores, mas só posso fazer isso se tiver um superávit ou se puder ver que, com o tempo, isso não criará um grande déficit. E isso depende muito de conseguirmos criar empregos e de reduzir os custos do desemprego, pois os muitos esquemas que temos dão recursos para pessoas que são capazes de trabalhar, mas que não estão trabalhando. Ao reduzirmos os custos, podemos reduzir os impostos. E, ao fazer isso, estamos adotando uma política inclusiva, em benefício de uma ampla parte da população, e não de uma pequena elite.


Fizemos uma reforma fiscal, que reduziu os impostos na linha do que Bill Clinton e Tony Blair fizeram, isto é, focando nas pessoas de renda mais baixa. Isso ajudou a criar essa nova direita. Pessoas de baixa renda agora votam no meu partido, pois estão ganhando mais quando trabalham, ao mesmo tempo em que veem que mantemos as finanças públicas em ordem e destinamos recursos para o bem-estar social.


Valor: São Paulo talvez seja a principal cidade industrial sueca no mundo. As pessoas não se preocupam na Suécia com o êxodo de empregos industriais?


Reinfeldt: Tivemos essa discussão, mas talvez numa escala menor que em outros países, pois não acreditávamos que poderíamos congelar a sociedade para manter a pessoa no emprego que ela sempre teve. Aprendemos que nossa economia pode criar muitos novos empregos.


Houve uma tremenda conversão na Suécia, de empregos industriais para empregos no setor de serviços. Em 1950, 45% dos trabalhadores estavam empregados na indústria. Agora são cerca de 17%. Tivemos uma rápida ascensão do setor de serviços, que hoje emprega cerca de 80%. Enquanto criarmos mais empregos no setor de serviços, que nos levem mais para cima na cadeia de valor, tudo bem.


Claro que houve reação na Suécia, muita ansiedade, especialmente nas pequenas cidades, fora dos grandes centros. As indústrias fechavam as portas, e as pessoas me perguntavam: por que você não protege aqueles empregos? Porque não éramos competitivos naquilo e tínhamos de fazer outras coisas. Mas isso gera tensão com os eleitores.


Valor: O sr. não teme que esses empregos mais high-tech, mais inovadores, também migrem para os países emergentes?


Reinfeldt: Temos de ter consciência desse risco, tanto de que os empregos migrem como de que tenhamos novas formas de competição. A China, por exemplo, está competindo em todo o mundo agora. Eles têm uma disponibilidade de mão de obra quase inesgotável e também formaram trabalhadores altamente qualificados. Enfrentamos uma nova competição. Por isso é importante saber como competir internacionalmente. Não há outro modo senão ter um sistema educacional melhor, gastar mais com pesquisa e desenvolvimento, ser mais inovadores, mas também tentar encontrar o tipo de emprego que é mais orientado ao setor de serviços.


Senão, você será levado à discussão, que está acontecendo em boa parte do mundo, de como se proteger, favorecendo os produtos nacionais e elevando tarifas e barreiras, que tornarão os pobres mais pobres. Isso seria um a pena, pois o mundo deu um salto enorme na redução da pobreza. Veja o Brasil, a China, a Índia. São fantásticas as oportunidades que temos hoje. Mas a questão está aí: os países permanecerão abertos? Eles ousarão continuar abertos e enfrentar a concorrência internacional?


Valor: Eles ousarão?


Reinfeldt: Não tenho certeza. Temos sinais contraditórios. Esta discussão está ocorrendo por toda a parte, até nos EUA e no Reino Unido, que tradicionalmente foram os bastiões do livre comércio. Na Europa, essa discussão está disseminada. Claro, queremos regras para que a competição seja aberta, mas justa. Há muita intervenção estatal no mundo, há muita corrupção, e isso naturalmente nos preocupa. Mas, pesando os riscos e os benefícios, a direção é muito auspiciosa. O mundo multipolar é um mundo melhor. Não é tão concentrado e cria condições nunca vistas antes para reduzir a pobreza.

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