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Publicar ou depositar a patente?

OPINIÃO
Da revista Conhecimento e Inovação

www.conhecimentoeinovacao.com.br

Sonia Regina Federman

O prazer dos pais ao nascer o herdeiro é mostrá-lo ao mundo. O mesmo prazer e ansiedade tem o inventor quando soluciona um problema técnico ou desenvolve um medicamento. No afã de conseguir parceiros interessados por sua invenção ele a divulga sem nenhum critério. Porém, da mesma forma que os pais se preocupam com a segurança e o futuro da criança, o inventor deve se preocupar em proteger sua invenção, sob pena de ser copiado ou até mesmo impedido de exercer o direito de produzir sua própria criação.

O que o inventor deve então fazer? Mais especificamente, o que o pesquisador de centros de pesquisa e universidades deve fazer? Publicar artigos? Depositar a patente?

O cientista é avaliado pelo número de publicações que possui. Em 2008, os pesquisadores brasileiros publicaram 30.415 artigos, correspondendo a 2,63% de toda a produção científica mundial. Mais publicações levam a um maior reconhecimento e maior índice de aprovação de projetos pelos órgãos de fomento.

Paralelamente, o assunto patente ainda é tabu para alguns pesquisadores. Eles alegam falta de tempo para se dedicar ao tema, dizem que é muito complicado, burocrático e demorado, e, ainda mais, é caro. E com isso, o Brasil se mantém como a “lanterninha” no ranking de depósito de patentes entre os países formadores do BRIC, para não falar da sua colocação no ranking de patentes depositadas no escritório de patentes americano.

Na verdade, a patente não é complicada nem burocrática, da mesma forma que a confecção de um artigo científico não o é para o pesquisador experiente. No início, é difícil, mas, depois, passa a ser automático para o pesquisador que deseja proteger sua pesquisa.

Em relação ao tempo, enquanto a publicação do artigo leva, em média, um ano, a concessão da patente leva cerca de 6 a 7 anos, dependendo da área tecnológica. Esse atraso não é privilégio brasileiro. Nos Estados Unidos, a média de espera para uma patente é de 5 anos. As exceções são creditadas à Coréia do Sul e ao Japão, com média de dois anos e meio.

Se depois de todo esforço aplicado na pesquisa, for alcançado um resultado com expressivo potencial tecnológico, duas coisas podem acontecer: (i) o pesquisador depositar a patente, uma empresa se interessar em implementá-la e eles estabelecerem parceria para produção ou licenciamento da tecnologia ou, (ii) se ele não depositar, alguma empresa pode aproveitar a sua pesquisa e redigir o pedido de patente e ser sua detentora, e o pesquisador não terá como contestar o direito industrial.

Um caso que ilustra bem essa situação é o do remédio Capoten (Captopril) utilizado por hipertensos. Esse medicamento foi desenvolvido por um médico paulista que decidiu publicar os resultados do estudo em periódico internacional. Resultado: o laboratório de uma multinacional farmacêutica, reconhecendo o potencial dos resultados apresentados no artigo, transformou todas as informações em uma patente que foi depositada, claro, no seu nome. O pesquisador não teve como contestar o laboratório. Seu artigo focava uma pesquisa científica, com informações importantes que possibilitaram transformá-la em patente de um medicamento já em condições de ser disponibilizado aos pacientes – sem que a empresa precisasse gastar dinheiro ou tempo na pesquisa.

Entretanto, existem aqueles que, sensatamente, depositam o pedido de patente e colhem os frutos dos royalties quando alguma empresa decide licenciá-la. Foi o que aconteceu com pesquisadores paulistas que desenvolveram um diamante artificial, devidamente protegido por patente (PI 9500865-9). Entre suas utilizações está incluída uma broca para uso odontológico. “Cerca de 4 mil dentistas no Brasil já possuem essas brocas. Exportamos para países da América Latina como México e Costa Rica, além de Israel. Estamos agora começando a negociar com a Europa. Duas empresas se mostraram interessadas em revender o material para mais 49 países”, conta Vladimir Jesus Trava Airoldi, um dos sócios da empresa.

Outra preocupação é relativa aos custos do depósito no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que o pesquisador imagina que seja muito cara. Quando fica sabendo que, para o depósito do pedido de patente, a taxa de retribuição cobrada é de R$ 80 – para pessoa física – ou R$ 200 – para empresa, ficam surpresos. Além disso, no caso de pesquisadores de centros de pesquisa – uma vez que a patente pertencerá ao empregador – quem arcará com os custos da tramitação e acompanhamento do processo no INPI, geralmente é a pessoa jurídica e não o inventor. O simples depósito do pedido de patente já garante uma expectativa de direito industrial (o direito consumado vem com a concessão da patente) enquanto a publicação do artigo garante o direito autoral. O empresário brasileiro não vai se aventurar no desenvolvimento de um produto que não esteja protegido, sob pena de ser responsabilizada de infringir direitos de terceiros e manchar seu nome. Não é que se vá depositar uma patente para tudo o que se pesquisa, mas o que for realmente importante merece que sua proteção seja considerada.

Uma determinada tecnologia pode não apresentar interesse científico/industrial imediato. É o que acontece, muitas vezes, na indústria farmacêutica. Na pesquisa de uma determinada molécula, outras são geradas e, futuramente poderão gerar novos medicamentos. A publicação de uma tecnologia sem a devida proteção pode comprometer a possibilidade de uma futura comercialização.

Outro fato a ser considerado é relativo ao dinheiro liberado pelo governo para a concretização das pesquisas. No Brasil, quem mais investe em pesquisa e desenvolvimento é o Estado, por meio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ligado ao Ministério da Ciência e da Tecnologia e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ligada ao Ministério da Educação. Uma das obrigações do servidor público – caso do pesquisador de centros de pesquisa e universidades – é zelar pelo bem público que não se restringe aos equipamentos e materiais, mas, também, ao dinheiro direcionado às pesquisas.

O pesquisador não precisa escolher entre publicar ou depositar. Ele pode e deve fazer as duas coisas. Deve publicar para liberar o conhecimento para a sociedade e deve depositar a patente, para garantir a proteção da pesquisa e do dinheiro público, evitando que outros que não investiram tempo, pessoal e recursos financeiros se aproveitem graciosamente desse esforço. Primeiro, deve depositar o pedido de patente para garanti-la, depois, sim, pode publicar todos e quantos artigos quiser.

Sonia Regina Federman é engenheira química, doutora em engenharia metalúrgica e de minas na área de materiais pela UFMG, autora do livro Patentes desvendando seus mistérios pela Qualitymark/RJ, examinadora de patentes do INPI. E-mail: federman@inpi.gov.br

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