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A truculência de fazendeiros e do governo do Mato Grosso do Sul contra os índios não pode continua

Tensão e medo na iminência de mais um despejo do Povo Guarani-Kaiowá no MS

"Se sairmos daqui, não sei para onde ir. Não temos para onde ir", assim fala o cacique Faride da terra indígena Laranjeira Ñande Ru, acampamento Guarani-Kaiowá, situado no município de Rio Brilhante. No dia 26 de agosto expirou o prazo de 90 dias dado pela desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), Marli Ferreira, em São Paulo, para que a comunidade de 35 famílias (em torno de 130 pessoas, das quais 60 são crianças e adolescentes) deixasse os 420 hectares que atualmente ocupam.

Além da ordem de despejo, ainda não foram realizados os estudos antropológicos de identificação da terra por força de outra decisão dada pelo TRF3 que suspendia as portarias da Fundação Nacional do Índio (Funai) relativas aos Grupos de Trabalho no Mato Grosso do Sul.

Decisão essa que só foi suspensa recentemente no dia 26 de agosto. Rostos pintados e tensos demonstravam a apreensão em esperar chegar a ordem de despejo. Um grupo de indígenas esperava na beira da rodovia, notícias que pudessem aliviar a tensão. Na entrada da fazenda, uma grande corrente e um cadeado fecham a porteira que abre a passagem para o acampamento, que fica há 3,5 km da estrada, cercado por plantações de milho e canaviais existentes nesta região por todos os lados.

Crianças, muitas crianças vêm ao nosso encontro. No que restou da mata na propriedade, os barracos de lona aparecem no meio das árvores. Um pequeno córrego abastece o acampamento. A comunidade indígena Guarani-Kaiowá de Laranjeira Ñande Ru retornou à sua terra de origem no final do ano de 2007 e reivindicam 3.666 hectares como sendo terra tradicional de seus antepassados.

Vieram da aldeia Panambi, que tem 1.240 hectares onde vivem cerca de 350 famílias, na região de Douradina, que se tornou mais um confinamento pelo crescente aumento da população. Vivendo em condições miseráveis, eles sobrevivem das cestas da Funai, que a cada 15 dias chegam no acampamento.

Não podem plantar nada no local, vigiado constantemente por seguranças armados contratados pelo fazendeiro que mantinham os indígenas em constante ameaça e tensão. Segundo a índia Ilda Barbosa de Almeida, duas crianças já morreram no local por que o socorro esperado da Funasa, não pôde entrar na propriedade. Um menino de oito anos teve uma complicação pulmonar e precisava ser levado ao hospital, mas os seguranças armados não deram permissão para que o carro pudesse entrar.

O mesmo aconteceu com um bebê de um ano e sete meses, que teve que ser removido pelos indígenas até a beira da rodovia pelo meio do mato em estado grave de desidratação. Ambos vieram a falecer no hospital. Também são computados um atropelamento e três suicídios. Dois deles aconteceram antes de dois pedidos de reintegração de posse do fazendeiro.

O medo, a constante tensão e a falta de perspectiva de ainda ter condições piores de vida, levam muitos deles a preferir a morte. O índice de suicídios entre os Guarani-Kaiowá estão entre os piores do mundo. Enquanto isso, a comunidade indígena Guarani-Kaiowá de Laranjeira Ñande Ru, segue vivendo com muita tensão e medo, na iminência de serem despejados para beira de estradas, mas aguardam com muita reza e cantos antigos, julgamento de recurso do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União para reverter a ordem de despejo.

Matéria de João Zanela do Conselho Indigenista Missionário de Mato Grosso do Sul

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