Por Mauro
Santayana
Controlar os controladores foi sempre um desafio à
inteligência institucional das sociedades políticas. Os Estados se constroem e,
eventualmente, desenvolvem-se ou retrocedem, entre dois pólos da razão: o da
anarquia absoluta e o da ordem absoluta, que só se obtém com a tirania. Entre
essas duas tendências antípodas, equilibra-se, no centro, o estado republicano
democrático.
A visão aristotélica do homem é a de que ele é uma
passagem entre o animal e o anjo. Esse caminho à perfeição se deve a duas
categorias do espírito, a inteligência e a ética. Nem sempre a inteligência é
servidora da ética, como nem sempre a lógica é servidora da razão. Como
advertem antigos pensadores, conhecer é dominar.
O Estado, qualquer que seja a ideologia que o mova, é
necessariamente coercitivo. Cabe-lhe manter corpos policiais, a fim de garantir
a coesão da sociedade e o exercício da justiça, de acordo com suas normas.
Quando essas normas se originam na vontade geral, elas se legitimam no contrato
social; são “leis”, laços irrompíveis. Quando as normas são impostas pela
tirania, ou pela solércia, é direito e, eticamente, dever da cidadania
rebelar-se, com todos os riscos que a sublevação acarreta.
Estamos agora diante de estranha proposta de emenda
constitucional, que veda ao Ministério Público a iniciativa e o poder
investigatório, reservando-o apenas aos órgãos policiais. O Ministério Público
– como, de resto, nenhuma organização humana – não é perfeito. Antes e depois
que a Constituição de 1988 lhe ampliasse os poderes, há o registro de
promotores e procuradores envolvidos em atos deploráveis, que vão do abuso de
autoridade à extorsão e ao homicídio sem atenuantes.
Do mesmo mal padece o Poder Judiciário, conforme a
denúncia de conhecidos e respeitáveis magistrados. E com raras exceções, os
Procuradores Gerais da República, escolhidos mediante o mandamento
constitucional de 1988, têm sido contestados por partidarismo, seja na
submissão ao governo, seja no exercício de dissimulada oposição. Entre essas
exceções, é de justiça mencionar os juristas Aristides Junqueira, Cláudio
Fontelles e Antonio Fernando de Souza.
A PEC-37 quer cercear o Ministério Público. A
iniciativa da proposta é de um obscuro deputado federal pelo Maranhão, delegado
de polícia do Estado, eleito por partido ainda mais obscuro, o mal chamado PT
do B.
De acordo com o projeto, um parágrafo, castrador do MP,
será acrescentado ao artigo 144 da Constituição, determinando que os crimes
contra o patrimônio público e, também, os cometidos pelas autoridades do Estado
– bem como quaisquer outros delitos – sejam apurados privativamente pela
Polícia Federal, e pelas organizações policiais dos Estados e do Distrito
Federal.
O que se pretende é impedir que o Ministério Público,
ao investigar os delitos, acompanhe a ação policial e, ao acompanhá-la,
fiscalize seus atos, como é de seu dever.
Contra essa violação da Carta de 1988, que emascula o
Ministério Público e o esvazia de uma de suas mais importantes missões, várias
entidades, nacionais e internacionais, redigiram e divulgaram a Carta de Belo
Horizonte. O documento é firmado, em primeiro lugar, pelo Ministério Público de
Minas Gerais, e em seguida, pela Associação Mineira do Ministério Público e
mais de uma dezena de outras organizações.
É de se ressaltar a adesão do Sindicato dos Policiais
Federais de Minas Gerais. Mas a reação contra o absurdo não se limita a Minas.
Em todo o Brasil, cidadãos conscientes se erguem na defesa do bom senso.
Quando, por iniciativa da Comissão Arinos, se discutiam
as idéias diretrizes da Constituição Democrática – que seria promulgada em 1988
– setores da Polícia Militar e das organizações policiais dos Estados
reivindicaram a unificação da atividade. Os constituintes souberam impedir esse
absurdo. Para a garantia do Estado de Direito, quanto mais organizações
policiais houver, melhor.
A emulação entre elas é boa. É bom que exerçam
competição umas com as outras, só assim podem servir bem ao País. Também, e por
iniciativa do Ministério Público, como
já vem ocorrendo, é necessário que elas se investiguem entre si.
Uma polícia unificada quase sempre se presta ao
arbítrio do poder executivo, quando não faz desse poder e dos outros poderes
reféns de seus próprios interesses. Quando um delegado de polícia, de qualquer
polícia, se sente isento do controle de outra instituição independente – como
são o MP e o Poder Judiciário – os direitos dos cidadãos deixam de existir.
O princípio de checks and balances – do controle
recíproco entre os poderes do Estado -
não deve cingir-se ao seu cimo -
mas descer a todos os níveis da administração pública.
Se, sob a fiscalização institucional do Ministério
Público, há tantas violações aos direitos humanos por parte da polícia,
imagine-se o que ocorrerá sem isso. E se registre que as organizações
policiais, tanto as militares, quanto as civis, são constituídas, em sua
maioria absoluta, por pessoas honradas e corajosas.
Elas sabem que podem perder a vida durante sua
repressão ao crime, como tantas vezes se noticia. Essas virtudes, no entanto, não podem
elevá-las à condição do poder político, esse, sim, privativo do povo que o
delega aos seus representantes na direção do Estado.
O lobby policial em favor da emenda 37 pode não
significar isso, mas faz supor que os delegados que a defendem querem ficar
sozinhos nas investigações dos crimes financeiros e das quadrilhas organizadas.
Só eles conhecem as suas razões. E essas não são as razões
da sociedade nacional.
Em tempo: este ansioso blog acha que o MP já tem
poderes demais. E, para defender os pobres, não os usa. Prefere holofotes. Mas,
o ansioso blog se curva aos argumentos do Mestre Santayana… (Paulo Henrique
Amorim)
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