Por Mauro
Santayana
Quando relembramos o golpe de abril de 1964, nesse novo
aniversário de constrangimento, é preciso vê-lo dentro do processo histórico
brasileiro. Tratou-se de um ato antinacional, na intenção e nos resultados.
Desde a ocupação, apesar do modelo imperial português, o Brasil demonstrava
identidade própria. Enquanto os funcionários da Metrópole exerciam a soberania
formal sobre o território, fosse ele separado em capitanias ou regiões
administrativas, a nação, com seus sentimentos e na disposição de ocupar os
grandes espaços desconhecidos, formava-se à parte de Portugal. Nisso, é notável
a autonomia das primeiras cidades, que se governavam mediante a eleição dos
homens “bons” da comunidade.
O primeiro ato concreto de construção da nacionalidade
foi o da luta contra os holandeses, no século 17, e sua expulsão definitiva do
território na gesta de Guararapes – pelos brasileiros, sem a presença de tropas
portuguesas. A descoberta do ouro em Minas, no limiar dos anos 1700, reuniu uma
comunidade rica, culta e política nas cidades principais da nova capitania. A
ideia de nação ganhou em Minas os seus instrumentos práticos, com a formação de
sociedade naturalmente preocupada com o poder, ou seja, com a política e a
necessidade de um estado realmente nacional.
É assim que a Inconfidência avança e dá estatuto aos
sentimentos de libertação do Brasil e de construção de um estado republicano.
Uma frase de Tiradentes serve de lema ao projeto de grandeza que ele trazia no
peito, e que se afirmaria depois de sua morte: “Se todos forem de meu ânimo,
faremos deste país uma grande nação”.
As lutas que se seguiram, pela Independência, se fariam
já com o projeto nacional amparado pelas ideias republicanas, vitoriosas na
independência americana e na Revolução Francesa – ambas no final do século 18.
José Bonifácio, José Clemente Pereira, os irmãos Rocha Maciel, de Minas, e
outros fizeram e consolidaram a independência em seus primeiros anos. O projeto
nacional, animado por José Bonifácio, iniciou-se ainda no período da Regência,
com a construção de ferrovias e os estaleiros da Ponta da Areia, sob o
empreendedorismo de Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá; a expansão
das lavouras cafeeiras e o crescimento acelerado da produção açucareira do
Nordeste.
Faltou povo
Infelizmente, o povo não fazia parte dessa equação. A
força de trabalho braçal estava nos escravos. Os brancos pobres, empregados em
situação mais do que subalterna nas cidades ou no campo, estavam à margem do
processo: não podiam votar. O poder era exercido pelas oligarquias rurais, que
mandavam seus filhos estudar Direito e representá-las no Parlamento e no Poder
Executivo.
A Abolição da Escravatura e a República não trouxeram
mudança significativa na estrutura social. O poder continuava com as
oligarquias que, por necessidade, o dividiam com as Forças Armadas. Os
bacharéis, filhos de fazendeiros do Sul e senhores de engenho do Nordeste,
revezavam-se com os militares na liderança política do país. A Revolução de
1930, com o programa da Aliança Liberal, inseriu os pobres na vida econômica,
mediante a intervenção do Estado nas relações trabalhistas, com as leis
impostas por Getúlio.
O projeto de desenvolvimento prosseguiu, com a criação
da Vale do Rio Doce e da Companhia Siderúrgica Nacional. A destituição de
Vargas, em 1945, e o governo medíocre de Dutra, que o sucedeu, desaceleraram o
processo. Ao voltar, Vargas o retomou, com decisões corajosas, como a criação
das grandes estatais, como a Petrobrás, mas o acosso dos Estados Unidos e a
articulação das velhas oligarquias contra o desenvolvimento social do país,
levaram-no ao suicídio. Juscelino, com alguma habilidade e concessões menores,
prosseguiu o caminho interrompido.
Depois do histriônico governo de Jânio Quadros, João
Goulart tentou avançar, com as necessárias reformas de base. Novamente as
velhas oligarquias se associaram aos americanos, com o golpe conhecido. Os
latifundiários e os banqueiros queriam continuar explorando o povo brasileiro,
e os norte-americanos não toleravam a idéia de ter um grande país com eles
competindo no mesmo continente. Esses foram os motivos do golpe de abril de há
quase 50 anos.
A retomada do processo democrático foi uma vitória dos
cidadãos organizados em entidades civis, na luta política que reunia
parlamentares, estudantes, trabalhadores, religiosos e intelectuais, sob as
terríveis condições da perseguição do regime militar e dos grupos paramilitares
terroristas que serviam à ditadura, financiados pelos empresários.
Essas entidades mobilizaram o povo, na Campanha das
Diretas e na Constituição de 1988. O movimento vitorioso nos trouxe a esperança
e começamos, com as dificuldades conhecidas, retomar o caminho interrompido.
Collor e Fernando Henrique, que mutilou a Constituição com o suborno,
submeteram-se ao neoliberalismo, e trouxeram novo retrocesso, que está sendo
difícil superar. Só a mobilização dos cidadãos, com os trabalhadores à frente,
poderá levar o Brasil ao cumprimento de seu destino – o de uma grande nação.
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