Ha-Joon Chang economista
da Universidade de Cambridge, especialista em economia do desenvolvimento da
Universidade de Cambridge. Considerado de direita na Coreia do Sul e de
esquerda na Inglaterra, economista critica rumo das políticas brasileiras e
defende protecionismo nos países emergentes.
Por REGIANE
OLIVEIR - São Paulo - 15 JAN 2018
Você se considera de
esquerda? Mesmo acostumado a dar entrevistas, essa pergunta ainda faz gaguejar
Ha-Joon Chang, professor de economia da Universidade de Cambridge, na
Inglaterra, que se tornou conhecido por expor os problemas do capitalismo.
“Bem...eu possivelmente sou”, respondeu um pouco reticente o acadêmico, como
quem confessasse um pecado. Para ele, no mundo polarizado de hoje, admitir-se
de qualquer tendência ideológica pode significar uma sentença de morte para um
potencial diálogo. Além disso, em diferentes países, a percepção de direita e
esquerda é diferente. “Na Coreia do Sul e Japão, por exemplo, o tipo de
política industrial que defendo é considerada de direita. Já na Inglaterra,
onde vivo hoje em dia, é uma política de esquerda”, afirmou o autor sul-coreano
do best-seller Chutando a Escada: A Estratégia do Desenvolvimento em
Perspectiva Histórica (Editora Unesp), que veio ao Brasil participar do Fórum
de Desenvolvimento, em Belo Horizonte. Ha-Joon Chang conversou com o El PAÍS
sobre polarização política, história econômica e o futuro do sistema econômico
mundial, que, para ele, não é nem capitalista, nem socialista.
Pergunta. Como a polarização política afeta o desenvolvimento
econômico?
Resposta. A polarização
é a pior coisa que pode acontecer para a economia. Tudo se torna simbólico.
Você começa a se opor a determinada política simplesmente porque ela está
associada a um partido de esquerda ou direita. Os debates estão se tornando
cada vez mais difíceis. Ambos os lados, ao invés de debater, gritam uns com os
outros. Eu gosto de me descrever como um pragmatista. Não importa de onde vem
determinada política para o desenvolvimento econômico, contanto que ela
funcione.
P. Desde o Consenso de Washington, no final da década de 1980, muitos
países pobres abraçaram as recomendações internacionais para propagar o livre
comércio como uma das formas de combater a miséria e se desenvolver. Como você
avalia o resultado dessa medida?
R: Hoje, quando olhamos
para os países ricos, em sua maioria, eles praticam o livre comércio. Por isso,
é comum pensarmos que foi com esta receita que eles se desenvolveram. Mas, na
realidade, eles se tornaram ricos usando o protecionismo e as empresas
estatais. Foi só quando eles enriqueceram é que adotaram o livre comércio para
si e também como uma imposição a outros Estados. O nome do meu livro, Chutando
a escada, faz referência a um livro de um economista alemão do século XIX,
Friedrich List, que foi exilado político nos Estados Unidos em 1820. Ele
critica a Inglaterra por querer impor aos EUA e à Alemanha o livre comércio.
Afinal, quando você olha para a história inglesa, eles usaram todo o tipo de
protecionismo para se tornar uma nação rica. A Inglaterra dizendo que países
não podem usar o protecionismo é como alguém que após subir no topo de uma
escada, chuta a escada para que outros não possam usá-la novamente.
“O Brasil está experimentando uma das maiores
desindustrializações da história da economia”
P: Como se deu o desenvolvimento dos países ricos na prática?
R:Estes países cresceram
com base no que Alexander Hamilton [1789-1795], primeiro secretário do Tesouro
dos Estados Unidos [que estabeleceu os alicerces do capitalismo
norte-americano], defendeu como o argumento da indústria nascente. Do mesmo
jeito que mandamos nossas crianças para a escola ao invés do trabalho quando
são pequenas, e as protegemos elas crescerem, os Governos de economias
emergentes têm que proteger suas indústrias até que elas cresçam e possam
competir com as indústrias de países ricos. Praticamente todos os países ricos,
começando pela Inglaterra no século XVIII, Estados Unidos e Alemanha, no século
XIX, Suécia no começo do século XX, além de Japão, Coreia do Sul e
Taiwan...todos estes países se desenvolveram usando protecionismo, subsídios
estatais, controle do investimento direto estrangeiro, e em alguns casos, até
mesmo empresas estatais.
P: Como esse passado dialoga com as medidas atuais de austeridade, que
se tornaram fetiche em todo mundo como promessa de crescimento?
R: A receita de
austeridade usada na Grécia é a mesma tentada na América Latina, na África e em
alguns países da Ásia nas décadas de 1980 e 1990, e que criou desastrosos
resultados econômicos. Investir em política de austeridade é contraproducente.
As pessoas que defendem esse tipo de política entendem que, quando você tem uma
grande dívida pública, um jeito de reduzir essa dívida é cortar os gastos do
Governo a fim de reduzir o déficit fiscal. Mas um jeito melhor de reduzir o
déficit é fazer a economia crescer mais rápido. Depois da Segunda Guerra
Mundial, a Grã-Bretanha tinha uma dívida mais de 200% de seu PIB [Produto
Interno Bruto], mas sua economia estava crescendo rápido. E depois de algumas
décadas, isso deixou de ser um problema. Hoje, a Inglaterra tem tentado uma
política de austeridade, mais amena que a da Grécia, é verdade, mas também sem
sucesso em reduzir o déficit público proporcionalmente a renda nacional. Isso
porque o PIB está crescendo muito lentamente. Se você corta os gastos, seu
endividamento pode ficar um pouco menor, mas a renda precisa crescer.
P: O país corre o risco de ficar estagnado?
R: Exatamente. O que é
incrível é que essa política vem sendo usada várias vezes, como no Brasil nas
décadas de 1980 e 1990, e nunca funcionou. Albert Einstein falava que a
definição de loucura é fazer a mesma coisa várias vezes e esperar resultados
diferentes. O problema é que muitos economistas que defendem essas medidas,
quando sua teoria não funciona, culpam a realidade. Como se a teoria nunca
estivesse errada.
P: Você é bastante crítico da desindustrialização dos países
emergentes. Por que é tão ruim ser dependente das commodities?
R: As pessoas têm que
entender como é séria a redução da indústria de transformação no Brasil. Nos
anos 80 e 90, no ponto mais alto da industrialização, esse setor representou
35% da produção nacional. Hoje não é nem 12% e está caindo. O Brasil está
experimentando uma das maiores desindustrializações da história, em um período
muito curto. O país tem que se preocupar. E eu não estou dizendo nada novo.
Muitos economistas latino-americanos já levantavam o problema da dependência de
commodities primárias na década de 1950 e 1960. Quando você é dependente de
commodities primárias há uma tendência de que o preço dos produtos caia no
longo prazo em comparação com os produtos manufaturados. Além disso, os países
dependentes de commodities não conseguem controlar seu destino.
P: Por exemplo?
R: Quando alguém inventa
uma alternativa para o seu produto, isso pode devastar o valor de sua economia.
A indústria brasileira de borracha foi um grande hit até que os americanos e
russos inventaram a borracha sintética nos anos 1930 e 1940. Quando os alemães
inventaram a chamada síntese de Haber-Bosch para a produção de amônia, a ser
usado na fabricação de fertilizantes, Chile e Peru, que costumavam ganhar muito
dinheiro exportando o fertilizante natural guano, que foi o mais valioso
fertilizante nos século XIX, tiveram anos de estagnação econômica. Isso sem
contar o potencial lento de crescimento das commodities e relação a outras
indústrias, como a de tecnologia.
P: Mas o caso do Brasil não seria diferente, já que o país investe em
tecnologia na área agrícola, e não só extração de commodity?
R: Para ser justo, eu
sei que o Brasil tem tido algum sucesso na área agrícola, como produzir soja no
Cerrado, que é uma região muito árida, onde tradicionalmente esta espécie não
cresceria. É realmente impressionante. Mas quando você se especializa em soja
você não pode aumentar sua produtividade da mesma forma que um país
especializado em alta tecnologia, que pode aumentar sua produtividade em 20%,
30% ao ano. Sinceramente, o Brasil é um dos países que parece estar voltando no
tempo no seu desenvolvimento econômico.
P: Como você avalia o papel do Estado neste cenário?
R: Ao contrário de
outros países em desenvolvido, o Brasil tem a habilidade de fazer as coisas
acontecerem por meio da intervenção governamental. A Embraer, por exemplo, é
uma empresa de economia mista. A agricultura no Cerrado é subsidiada com
recursos do governo. Em vários setores, o país já mostrou que quando quer fazer
uma coisa, ele consegue. Infelizmente, os responsáveis por fazerem as políticas
públicas parecem que perderam o rumo. Eles basicamente desistiram do modelo de
desenvolvimento econômico por meio de um upgrade na economia, com investimento
em indústrias de alta tecnologia.
P: Onde você acha que a política pública falhou?
R: Eu conheci vários
empresários irritados em São Paulo pois as pessoas no Governo não parecem estar
preocupadas com o declínio da indústria manufatureira no país. Sei que muitos
economistas defendem que não importa se você está exportando soja ou aviões,
desde que esteja fazendo dinheiro. E, no curto prazo, isso pode até ser
verdade. Mas no longo prazo, é muito ruim para a economia. Além disso, as
políticas macroeconômicas têm sido muito ruins para o setor industrial,
especialmente a alta taxa de juros, uma das maiores do mundo.
P: No Governo Dilma, vários setores receberam subsídio e mesmo assim,
os empresários não pareciam estar satisfeitos. O que faltou?
R: O Governo de Dilma
canalizou vários subsídios em alguns setores em particular. Mas isso só foi
necessário por conta da política de alta taxa de juros, uma vez que as
companhias brasileiras não conseguem competir no mercado global de outra forma.
Não sei todos os detalhes. Mas sei que houve erros, corrupção. As metas
governamentais também foram determinadas de forma equivocada...sempre
privilegiando a estabilidade macroeconômica. Já o declínio da indústria não foi
considerado um problema. Focou em ações como Bolsa Família, mas sem prestar
atenção em dar um upgrade na economia.
P: A Coreia do Sul pode ser considerada um exemplo de economia que
conseguiu dar esse upgrade?
R: Depende de qual
Coreia do Sul que estamos falando. A Coreia do Sul depois da crise asiática de
1997 abraçou o neoliberalismo, não tanto como os países da América Latina, mas
desregulamentou o mercado financeiro e alavancou políticas industriais. O
resultado é que uma economia que costumava crescer 6%, 7%, 8% até 1990, agora
está sofrendo para crescer 3%. Isso porque as mudanças que criaram líderes
globais na área industrial, automotiva e eletrônica, também produziram baixo
crescimento, falta de trabalho e não impediram que estas indústrias migrassem
para outros países. E mesmo assim, não tivemos o colapso industrial que se vê
no Brasil.
P: Qual foi o papel da educação no crescimento da Coreia do Sul?
R: No começo, a educação
teve um papel muito importante. Até os anos 80, era possível alguém de uma
família pobre se tornar juiz, governador ou cirurgião. Infelizmente, a partir
dos anos 90, tivemos um sobreinvestimento em educação, com o crescimento dos
negócios privados. Tínhamos o maior investimento em educação do mundo. Mas
hoje, considerando o valor que estamos investindo, e o tempo que os estudantes
estão gastando para conseguir suas qualificações...o sistema se tornou bem
ineficiente. A mobilidade social caiu muito nos últimos anos, porque as
políticas educacionais deixaram de ser coordenadas com políticas industriais.
P: Você comenta que estamos entrando no fim da abordagem neoliberal ao
desenvolvimento. O Brexit seria um exemplo desse começo do fim?
R: Poderia ser. Mas
temos que considerar que há três tipos de pessoas que votaram pelo Brexit. Um deles são os liberais
que votaram para se livrar das regulamentações impostas pela União Europeia. Há
ainda o grupo anti-estrangeiros e anti-imigração. E um terceiro grupo, os
trabalhadores no Norte da Inglaterra, que já foi o centro produtor do país, e
que experimentou uma desindustrialização massiva. Estas pessoas perderam seus
trabalhos, e agora culpam trabalhadores da Polônia, Romênia e Hungria pela sua
sorte. Podemos dizer que é o começo do fim no sentido em que isso aconteceu com
a insatisfação que muitas pessoas têm com a globalização e o livre comércio.
P: Há algum lugar onde estaria sendo gestada uma solução para o modelo
de desenvolvimento econômico dos países?
R: Cingapura é hoje o
exemplo mais bem sucedido de um país com desenvolvimento pragmático e não
ideológico. Quando lemos sobre Cingapura nos jornais The Wall Street Journal e
na revista The Economist sempre ouvimos falar da política de livre comércio e o
acolhimento positivo que o país tem com o investidor estrangeiro. O que é
verdade. Mas não se fala que 90% das terras do país são de propriedade do
Governo; 85% das casas são de propriedade do governo; e 22% do PIB é produzido
por empresas públicas. Eles têm um modelo pragmático de economia, que mistura
elementos do capitalismo de livre mercado e do socialismo. Eles não são
capitalistas, nem socialistas. São pragmatistas. Uma de minhas frases favoritas
é de Deng Xiaoping, o ex-líder Chinês: “Eu não ligo se o gato é preto ou
branco, contanto que seja bom em pegar ratos”. Isso é o pragmatismo.
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