Por Otaviano Helene
Considerando os valores
previstos no Fundeb para 2013, estados e municípios aplicarão, na educação
básica, cerca de R$ 200 a R$ 250 por mês por aluno. Com tais valores, é,
evidentemente, impossível fornecer educação de qualidade. Essa falta de
recursos leva a uma combinação de problemas que incluem remunerações muito
baixas para os trabalhadores do setor, salas superlotadas, poucas horas de
permanência dos estudantes nas escolas, muitas “aulas vagas”, ausência de
bibliotecas e laboratórios, impossibilidade de responder às necessidades
específicas dos alunos que as exigem, entre muitos outros.
Os resultados desse
subinvestimento são óbvios: professores com péssimas condições de trabalho,
desvalorização das profissões ligadas à educação, estudantes com baixo
desempenho, alta evasão escolar, não formação dos profissionais de que
precisamos, entre vários outros.
Precisamos, e
urgentemente, de mais recursos para a educação pública. Assim, deveríamos ver
com bons olhos as propostas de uso de recursos provenientes da exploração do
petróleo e de outros combustíveis fósseis para o setor (apelidado de royalties
do Pré-Sal, embora não seja só do petróleo, nem só do Pré-Sal, nem apenas
royalties, embora estes últimos correspondam aos maiores valores). Entretanto,
devemos analisar os vários aspectos ligados a essa fonte de recursos para
entender suas consequências práticas, suas limitações e contradições.
I - Quanto os royalties poderiam gerar?
Embora a legislação
sobre a questão ainda possa ser alterada, a educação poderá receber recursos da
exploração de petróleo e gás natural de duas formas diferentes. Uma delas é a
remuneração dos investimentos feitos por um fundo social (FS), criado pela lei
12.351 de 2010, e outra é formada pelos royalties gerados por concessões de
exploração posteriores a 3 de dezembro de 2012, Lei 9.478 de 1997, ambas
alteradas pela Medida Provisória 592 de 2012.
Há, de início, muitas
questões que deixam indefinidos os valores a serem transferidos para a
educação. Entre as questões referentes ao FS (Lei 12.351) estão a remuneração
que poderá ser obtida pelos investimentos feitos por esse fundo e o volume de
recursos que ele acumulará.
Quanto aos royalties das
concessões (Lei 9.478), uma questão diz respeito ao volume de petróleo e outros
combustíveis que será explorado pelas concessões posteriores a dezembro/2012.
Outra questão está associada aos royalties, pois a legislação define apenas
valores mínimos, 5%, e máximos, 10%, calculados sobre o valor da produção. Mais
uma questão: qual o preço do petróleo no momento da exploração.
Portanto, tudo o que é
possível fazer no momento são algumas estimativas. Para entender os limites
dessa política de atrelar o financiamento da educação à produção de
hidrocarbonetos, vamos estimar os valores “por cima”.
Possíveis recursos gerados pela Lei 12.351
Pela Lei 12.351/2010,
serão destinados à educação 50% da remuneração do FS que contará com 20% dos
royalties, os quais corresponderão a 15% do valor da produção nas áreas do
Pré-Sal ou estratégicas. A remuneração à qual a lei citada se refere será
obtida com investimentos em ativos, preferencialmente no exterior.
Combinando essas
informações quantitativas, concluímos que a educação contará com metade da
remuneração conseguida investindo-se 3% da produção de petróleo e gás daquelas
áreas. Quanto pode ser isso?
Para responder a essa
questão, precisamos, primeiramente, estimar o volume da produção e a
remuneração que aquele fundo pode receber. Com o objetivo de estimar os
recursos, vamos nos restringir apenas ao petróleo.
Uma produção da ordem de
dois milhões de barris por dia é uma estimativa razoável do nível de
exploração. Isso corresponde a uma transferência, a cada ano, de cerca de 0,1%
do PIB para o fundo social.
O passo seguinte é
avaliar o possível rendimento desse fundo. Supondo um rendimento de 5% ao ano,
a educação receberia um valor da ordem de 0,005% do PIB no primeiro ano, o
dobro disso no segundo, o triplo no terceiro etc. Depois de 20 anos, talvez
tenhamos chegado a um rendimento anual da ordem de 0,1% do PIB, valor irrisório
considerando a necessidade atual de aumentar para 10% do PIB os investimentos
na educação pública, atualmente em um patamar próximo aos 5%.
Mas essa estimativa está
exagerada, pois os recursos gerados podem ser ainda bem menores. Dependendo dos
ativos que farão parte do FS e da situação econômica internacional, a
remuneração poderá ser nula ou mesmo negativa. A crise financeira iniciada na
segunda metade da década de 2000 é um exemplo de que ativos podem se
desvalorizar rapidamente e permanecer nessa situação por longos anos (e quando
seus valores são deflacionados, esses longos anos podem se transformar em
décadas). Portanto, aquele 0,1% do PIB estimado pode estar muito exagerado e o
valor real ficar bem abaixo disso.
Cabe uma pergunta
irônica. Como a lei diz que os recursos a serem transferidos à educação são os
retornos dos investimentos feitos, se estes forem negativos, como teriam sido,
muito provavelmente, nestes últimos anos, teríamos que retirar recursos da
educação e transferi-los ao FS? Ou a lei só vale quando a subtração der valor
positivo? Finalmente, dependendo dos banqueiros e investidores aos quais
confiarmos os recursos do FS, a serem aplicados preferencialmente em ativos no
exterior, o patrimônio poderá simplesmente desaparecer e nada será transferido
para a educação.
Portanto, pela Lei
12.351, não apenas os valores possíveis são irrisórios, como os investimentos
são de alto risco. Além disso, não há nenhum sentido em acoplar o financiamento
da educação brasileira à flutuação do mercado financeiro internacional. Que
sentido tem fazer com que jovens, crianças, pais, professores e professoras
“torçam” pelo sucesso do mercado financeiro internacional para que suas vidas
melhorem? Que sentido teria arrochar os salários dos professores brasileiros
quando alguma bolsa de Nova Iorque ou de Londres for mal ou quando algum banco
de “alto prestígio” quebrar?
Recursos provenientes da Lei 9.478
Pela modificação
introduzida na Lei 9.478 (arts. 48-A e 49-A incluídos pela MP 592), a educação
contaria com a totalidade dos royalties gerados pelas concessões posteriores a
3/12/2012. Esses royalties estarão entre 5% e 10% da produção.
Um primeiro aspecto
refere-se ao acoplamento do financiamento da educação à privatização da
exploração do petróleo, uma vez que os dois citados artigos referem-se às
concessões, regime no qual as concessionárias se tornam proprietárias do
petróleo, não a partilhas, regime no qual a União permanece dona do petróleo,
ainda que este seja explorado por uma empresa privada, ou a outra forma de
exploração dos hidrocarbonetos. Pergunta: pretende-se transformar educadores e
educandos em apoiadores da desnacionalização e da privatização do petróleo
nacional e de sua exploração? Afinal, segundo a legislação, quanto mais
privatizadas e exploradas forem nossas reservas, mais recursos irão para a
educação. Será que se pretende que os estudantes, professores, militantes da
educação e muitas outras pessoas preocupadas com o desenvolvimento do país
façam passeatas com faixas dizendo “privatização já” ou “o petróleo é deles”?
Mas, apesar de tudo
isso, quanto poderia ser o valor transferido para a educação? Vamos supor que a
produção feita como consequência das concessões posteriores a dezembro de 2012
atinja um milhão de barris por dia, o que é cerca da metade da atual produção
nacional e, portanto, um valor superestimado. A um valor de cem dólares por
barril isso corresponderia, quando a totalidade das concessões estiver sendo
exploradas, a cerca de 0,15% do PIB destinados à educação caso os royalties
sejam cobrados em seus valores máximos (10%). Se os royalties forem
estabelecidos em seu valor mínimo, 5% da produção, teríamos 0,075% do PIB.
Qualquer desses valores
está muito aquém dos cerca de 5% do PIB que precisaríamos adicionar ao
financiamento da educação pública brasileira para atingirmos os necessários 10%
do PIB. Nas melhores das hipóteses, se é que privatizar o petróleo brasileiro e
explorá-lo de forma intensa, esgotando-o rapidamente, são boas hipóteses, os
recursos destinados à educação estariam entre a trigésima e a sexagésima parte
do que precisaríamos já hoje.
II – Onerar o petróleo é uma forma adequada de financiar a educação?
Um dos aspectos ligados
à vinculação do financiamento da educação por meio dos royalties e outros
encargos incidentes sobre a produção de petróleo, gás e outros hidrocarbonetos
diz respeito ao encarecimento desses insumos. Caso não haja recursos destinados
à educação, o custo do gás, do petróleo e de seus derivados, como o GLP (gás de
cozinha), o óleo diesel (usado principalmente no transporte coletivo e de
mercadorias), a gasolina, o querosene de aviação e o óleo industrial, seriam,
evidentemente, inferiores em um valor exatamente igual aos royalties e outros
recursos destinados à educação ou a qualquer outro setor.
Portanto, devemos ter
claro que, sendo o petróleo um insumo fundamental na produção nacional, incluir
em seu custo parte do financiamento da educação (parte muito pequena, como já
mencionado) implica em aumentar o custo de todos os bens e serviços que dele
dependem. O GLP será encarecido, afetando quem cozinha arroz e feijão da mesma
forma que quem prepara um faisão ou um coq au vin; o encarecimento do diesel
aumentará tanto o custo do transporte de alimentos como o de automóveis
importados. O aumento do querosene de aviação, que pode parecer incidir apenas
sobre os mais ricos, afetará a todos: mesmo nos países ricos, apenas cerca da
quarta parte das viagens aéreas é por turismo; outra quarta parte é por viagens
profissionais e que, portanto, são incluídas nas planilhas de custos das
empresas ou profissionais que as pagam; outra parte equivalente é paga por
governos e, portanto, seus custos recairão sobre a totalidade da população. (As
demais viagens são feitas por razões familiares, de estudo entre outras.) Caso
esses aumentos fossem progressivos com a renda, talvez tivesse alguma
justificativa. Entretanto, grande parte desse custo adicional dos combustíveis
afetará a totalidade das pessoas, independente da renda, e, portanto, tem o
mesmo efeito dos impostos indiretos, tão criticados pela sua não
progressividade.
Cabe, portanto, a
pergunta. Não seria mais adequado cobrar royalties, ou impostos, ou taxas etc.
diretamente do consumo de energia, mas discriminando quanto ao tipo de energia
e, principalmente, a finalidade que ela terá?
Educação não é um setor demandante de energia
A educação é pouco
demandante de energia, quer de forma direta, nas escolas, quer de forma
indireta, nos insumos que ela usa. Portanto, por que acoplar seu financiamento
à disponibilidade de petróleo, em especial se aplicados às novas fontes, como o
Pré-Sal?
Para entender essa
questão, vamos considerar um setor altamente demandante de energia, a
habitação, aí incluídas moradias e infraestruturas urbanas (água, esgoto,
saneamento, arruamento etc.), setor no qual o Brasil apresenta muitas e
intensas carências. Neste caso, o encarecimento do petróleo por meio de
recursos a serem destinados à habitação teria sentido, pois esse setor passaria
a ter mais recursos para responder a suas demandas energéticas ao mesmo tempo
em que os demais setores veriam o preço do petróleo e seus derivados
encarecidos e, portanto, passariam a ter menor acesso a eles. Tal política
poderia ser justificada, uma vez que o petróleo é um insumo cuja tendência
futura é encarecer, na medida em que a demanda mundial aumenta, e seu resultado
levaria à construção da infraestrutura habitacional em um momento em que o
custo do petróleo não é ainda excessivamente alto.
O mesmo, entretanto, não
ocorre com a educação, pois, como já dito, ela não está entre os setores mais
demandantes de energia. Portanto, cabe a pergunta: não seria mais adequado
aumentar os recursos para a educação pública usando outros mecanismos econômica
e socialmente melhores, tais como alíquotas de impostos diretos mais elevadas
para as rendas mais altas, impostos sobre grandes patrimônios, impostos sobre
consumo de bens supérfluos, impostos mais elevados sobre heranças e outros
equivalentes? Dessa forma, recursos seriam transferidos para a educação pública
ao mesmo tempo em que seriam retirados de atividades, pessoas e setores sem
afetar a qualidade de vida de ninguém.
III – Conclusão
Além dos valores
estimados, há previsão de recursos para a área educacional provenientes de
outras fontes ligadas à exploração de petróleo e gás, entretanto, em
quantidades ainda menores do que as calculadas acima.
Em resumo, se
privatizarmos a totalidade do petróleo a ser explorado por meio de concessões e
deixarmos que ele se esgote o mais rapidamente possível, os recursos destinados
à educação poderiam chegar, no máximo, a cerca 0,15% do PIB nos anos iniciais,
atingindo, após cerca de duas décadas, quando a atual reserva provada tiver
sido esgotada, a alguma coisa entre 0,20% e 0,25% do PIB. Esse valor é, grosso
modo, a vigésima parte do que falta para atingirmos os necessários 10% do PIB.
O preço pago – privatizar as reservas, deixar que a exploração e a produção
sejam pautadas pelos interesses das empresas privadas que venceram as
concessões e, portanto, do mercado internacional e esgotar as reservas
atualmente confirmadas – vale a pena?
Há, ainda, mais
questões. Uma política responsável de exploração de petróleo pode indicar que o
melhor a fazer é deixá-lo guardado no subsolo enquanto usamos o petróleo
disponível no mercado internacional, reservando o nosso para tempos mais
difíceis. Afinal, as reservas provadas do Brasil (segundo informações divulgadas
pelo Ministério de Minas e Energia em sua página eletrônica no final de 2012)
correspondem a 1% das reservas mundiais (1). Como o Brasil consome cerca de
2,5% do petróleo produzido no mundo, se usarmos o nosso petróleo mais
rapidamente, ficaremos, com o passar do tempo, em uma situação cada vez mais
vulnerável no que diz respeito à dependência de importações desse insumo. Se o
financiamento da educação depender fortemente do petróleo, o que faremos? Para
educar as crianças e os jovens, vamos privatizar ainda mais nosso petróleo e
deixar que ele se esgote rapidamente? Ou manteremos o petróleo no subsolo e
oferecemos às crianças o atual padrão de subescolarização?
Finalmente, mas não
esgotando todos os aspectos da questão, há uma sutileza de redação: toda a
legislação citada se refere a recursos para a educação, não recursos para a
educação pública. Isso não é um “pequeno detalhe” de redação: essa é uma das
questões que estão em disputa na elaboração do Plano Nacional de Educação. A
palavra “pública” após “educação” não existia na redação originalmente proposta
de PNE apresentada pelo executivo federal quando ela fazia referência ao
percentual do PIB a ser destinado à educação, foi incluída após intensos
debates e embates enquanto tramitava na Câmara dos Deputados e pode ser
retirada em sua tramitação no Senado Federal se esse item da proposta do
relator for acatado.
Enfim, não é dessa forma que se trata a
questão do financiamento da educação pública em um país.
Nota (1) - Caso a reserva do Pré-Sal esteja dentro
das estimativas mais frequentes feitas atualmente, as reservas brasileiras
atingiriam mais do que 3% das reservas mundiais, criando um equilíbrio entre
reserva e consumo.
Otaviano Helene,
professor do Instituto de Física da USP, foi presidente da Associação dos
Docentes da USP (Adusp) e do Inep/MEC.
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