Por Wladimir Pomar
O pedido de demissão do
secretário-executivo do ministério da fazenda do governo Dilma, Nelson Barbosa,
gerou uma série de especulações políticas, em especial naquele setor que é
especialista na especulação financeira. Independentemente delas, porém, o que
mais impressiona é que, sorrateiramente, ela trouxe à tona um velho debate, que
parecia superado, relacionado com o papel da indústria.
O economista Pedro
Cavalcanti Ferreira foi explícito. Para ele, o governo estaria desmontando as
reformas da época da liberalização comercial, com medidas que fecham a economia
e afetam a produtividade da indústria. A política de escolha de setores, via
direcionamento do crédito do BNDES, estaria criando ineficiências na economia
porque a escolha de vencedores nunca funcionou. Além disso, a indústria no
Brasil não chegaria a 20% do PIB, porque já seríamos uma economia de serviços e
nossa economia será cada vez mais de serviços.
Ou seja, aproveitou uma
discussão em curso sobre as tais empresas campeãs, que nem sempre são industriais,
para reativar a ideia do suposto papel secundário da indústria. Antes, a
agricultura e o grande celeiro em que, através dela, o Brasil poderia se tornar
era a muralha que se antepunha ao desenvolvimento da indústria. Desde os anos
1990, sob argumentos diversos, os serviços, em especial aqueles ligados à
informação e aos conhecimentos, foram elevados à condição de setor que poderia
substituir a indústria na geração de riqueza.
O mais interessante é
que essa conclusão, extraída teoria do pós-industrialismo, nascida nos anos
1970, com a reestruturação e globalização do capitalismo desenvolvido, parece
ter adeptos num arco que vai da direita conservadora à esquerda moderada. Eles
consideram a desindustrialização das grandes potências capitalistas, e uma
suposta transferência de suas forças de trabalho industrial para os serviços,
um movimento global e progressista do capitalismo, em todos os países,
decorrente da nova revolução científica e tecnológica. A indústria estaria
ultrapassada. O futuro seria dos serviços, dos conhecimentos, da informática.
Na verdade, não se dão
conta de que aquele capitalismo desenvolvido vive uma profunda crise de
capitais excedentes e de baixa lucratividade, que lhes impõe a necessidade de
transferir suas plantas industriais para países de salários mais baixos,
industrializando-os. Se tal necessidade não existisse, não haveria o
renascimento, ou nascimento, industrial da Coréia do Sul, China, Índia,
Indonésia, Vietnã, Malásia, Tailândia, e de vários países africanos e latino-americanos,
que vai justamente na contramão da desindustrialização e da substituição da
indústria pelos serviços.
Ainda bem que no Brasil
há gente que, como Mauá, mantém uma visão clara sobre o papel da indústria como
principal instrumento econômico de geração de riqueza. Fernando de Holanda
Filho não tem medo de afirmar que a baixa produtividade do comércio e dos
serviços compromete o crescimento do PIB e agrava a situação da indústria.
Cláudio Dedecca também chama atenção para o fato de que as perspectivas de
emprego estão estreitamente associadas ao crescimento da economia, cujo
calcanhar de Aquiles hoje é a indústria.
Um dos problemas para
uma discussão mais clara sobre a necessidade estrutural da industrialização
consiste no véu que cobre os debates macroeconômicos. Yoshiaki Nakano, por
exemplo, afirma que a aceleração do crescimento é, na retórica, o objeto maior.
Porém, na prática, os benefícios são colhidos através dos ganhos em termos de
troca, com a alta dos preços externos das commodities, e do dinamismo do
mercado interno. Ele não fala em industrialização, mas destaca o papel do
comércio das commodities e do consumo interno.
Nelson Barbosa chegou a
dizer que a valorização do real era um problema bom por refletir a melhoria da
economia, embora reconhecendo os persistentes efeitos negativos dessa
valorização cambial sobre a indústria. Ou seja, a economia poderia ir bem, mas
a indústria ir mal, uma contradição não só em termos, mas também entre a
política macroeconômica e a política estrutural de industrialização.
Em outras palavras, a
retração dos investimentos indispensáveis para o Brasil crescer não tem por
base apenas o que alguns analistas chamam de incertezas trazidas pelo fim do
tripé macroeconômico neoliberal de juros altos, metas inflacionárias e câmbio
flexível, ou os problemas de infraestrutura, tributos, custos trabalhistas,
escassez de mão-de-obra e baixo retorno das concessões públicas. Sobre tudo
isso pesam, principalmente, a incerteza da viabilidade do caminho industrial, a
parede do monopólio das grandes corporações industriais e a ausência de uma
clara política de atração de investimentos externos e internos para o
adensamento das cadeias produtivas industriais.
Se o governo continuar
esperando que o espírito animal empreendedor das burguesias nativa e
estrangeira seja liberado com concessões públicas, benesses tributárias e
outros manjares sem risco, talvez a sina da economia de serviços acabe se
tornando realidade, fazendo com que o Brasil, mais uma vez, deixe de aproveitar
as janelas de oportunidades abertas pela crise do sistema capitalista
desenvolvido. O agrarismo, ligado aos serviços, terá ganho a parada.
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