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Jovem acha erro matemático na "teoria da austeridade" e acirra debate econômico

Por Pedro Carvalho

Tese que condena endividamento era usada por políticos para justificar cortes e impostos
A descoberta de um erro matemático surpreendeu economistas e políticos de todo o mundo nas últimas semanas. O equívoco foi flagrado numa famosa teoria de dois professores de Harvard. Segundo a tese, o crescimento de um país fica comprometido quando a dívida pública atinge 90% do PIB (Produto Interno Bruto) – por isso, o trabalho era usado para justificar políticas de austeridade e cortes de gastos nos países em crise.
Thomas Herndon, 28 anos, aluno de doutorado da Universidade de Massachusetts, pediu as planilhas originais aos autores para um trabalho de curso. O jovem então percebeu que elas continham erros primários. “A descoberta dele basicamente invalida a teoria original”, afirma Fábio Kanczuk, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.
A tese havia sido publicada por Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, em 2010. Os acadêmicos cruzaram dados e notaram que, quando a dívida de um país superava a barreira de 90% do PIB, o crescimento econômico anual passava a ser em média 1% menor. Em países como Itália, Grécia e Portugal esse limite teórico foi superado com folga – no Brasil, a relação fica em torno de 35%.
O trabalho vinha sendo usada por autoridades que pediam apertos a países endividados. "Sem dúvida, a discussão sobre austeridade na Europa teve esse estudo como um importante balizador", diz Otto Nogami, professor de economia no Insper. Entre os nomes que se apoiaram no trabalho estão Paul Ryan, candidato republicano à vice-presidência dos EUA, Olli Rehn, comissário europeu de assuntos econômicos e Jean-Claude Trichet, ex-presidente do Banco Central Europeu.
Roma, Itália: dívida pública do país atingiu 126% do PIB no ano passado; no Brasil, índice fica em 35%
Os autores reconheceram ter cometido certos erros. Eles omitiram informações, como o fato de que Austrália, Canadá e Nova Zelândia conseguiram crescer em períodos de endividamento, além de terem se atrapalhado em operações matemáticas por inserir de forma errada alguns dados no Excel.
Ao encontrar os equívocos, Herndon foi lançado a uma espécie de estrelato midiático. Na Europa, ele mereceu extensas reportagens da "BBC", do "El País" – sob o título "o estudante que salvou o mundo da austeridade" – e de outros jornais importantes. Nos EUA, participou até de programas satíricos da TV, como o aclamado The Colbert Report.
Se antes o trabalho de Reinhart e Rogoff era popular entre as autoridades, o inverso parece ocorrer. O último comunicado dos ministros das Finanças do G-20 , publicado há duas semanas, omitiu referências ao nível de endividamento – e um importante economista da Universidade de Stanford, chamado John Taylor, defende que isso teve a ver com a descoberta de Herndon.
Afinal, dívida atrapalha?
Apesar dos erros na teoria, especialistas acreditam que o alto endividamento pode, sim, atrapalhar o crescimento econômico. "Todo endividamento de governo cria um desequilíbrio econômico", diz Nogami. "Quanto mais um país toma recursos no mercado para rolar suas dívidas, menos dinheiro sobra para os investimento", afirma.
Além disso, um governo muito endividado tem maior risco de dar calote, e o mercado cobra mais juros para emprestar a ele. "Num país que precisa pagar juros altos para se financiar, esses juros competem com o investimento", diz Kanczuk. "Ou seja, quem tem algum dinheiro e quer decidir se abre uma padaria ou empresta para o governo a juros altos pode acabar decidindo por ganhar com juros", diz.
Isso não significa que as políticas de austeridade sejam o melhor remédio para lidar com o problema. "A austeridade tem um lado vilão, porque um governo muito austero, que corte demais os gastos, também passa a impactar negativamente o crescimento", diz Nogami.
No fim, talvez a teoria original não devesse ter sido levada tão a sério – e nem os novos cálculos que a contestam. "Dívidas grandes atrapalham, ponto. A teoria não era a razão para se fazer os apertos, e a descoberta de Herndon também não é motivo para que eles deixem de ser feitos", resume Kanczuk.

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